Pôster do filme “Criação” (Creation) - baseado no livro “Annie’s Box”, escrito por Randal Reynes, tataraneto de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Fundamentalismo Judeu - Judeus que criticam políticas de Israel não são considerados "verdadeiros judeus"

Roger Cohen
Londres (Inglaterra)

Ira Stup foi criado na Filadélfia e frequentou a escola e os acampamentos judaicos. Ele encontrou seu lar na comunidade judaica e foi “intoxicado pela democracia judaica” tal como estabelecida nos ideias da fundação de Israel. Agora ele voltou profundamente perturbado de uma bolsa de estudos de um ano em Tel Aviv.

O pior incidente isolado aconteceu na rua Ben Yehuda no centro de Jerusalém. Stup, 24, formado em Columbia, voltava de uma manifestação com um casal de amigos carregando um cartaz que dizia, “Sionistas não são assentados”. Um grupo de judeus religiosos usando kipás se aproximou, cuspiu neles e começou a socá-los.

“Cerca de 20 pessoas viram tudo e não fizeram nada. Eles gritavam: 'Você não é um judeu de verdade'. A maioria deles era norte-americana. Foi um dos momentos mais frustrantes da minha vida – você pode discordar o tanto que quiser de uma faixa, mas permitir a violência e não reagir é ultrajante. Para mim foi um ponto de virada. Ninguém nunca havia dito que eu não era um judeu de verdade.”

Entretanto, a visão de que os judeus norte-americanos que apoiam Israel mas criticam suas políticas não são “judeus de verdade” é comum. O certo-e-errado de Israel continua sendo a principal abordagem das maiores organizações judaicas dos EUA, do Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos (AIPAC) à Conferência de Presidentes das Principais Organizações Judaicas Norte-Americanas.

Opor-se à expansão continuada dos assentamentos na Cisjordânia (“sionistas não são assentados”), ou questionar o crescimento da intolerância contra os árabes personificada pelo ministro de Exterior de direita de Israel e ilustrado pelo debate quanto ao “juramento de lealdade”, ou questionar se a “deslegitimação” de Israel tem algo a ver com suas próprias ações equivale a despertar a ira constante dessas organizações.

O debate continua emperrado, apesar da peça importante de Peter Beinart este ano na New York Review of Books descrevendo a crescente alienação entre os jovens judeus norte-americanos que são requisitados a “deixar seu liberalismo na porta do sionismo”. Ah, é claro, você pode encontrar todo tipo de opinião sobre Israel em toda parte; os Estados Unidos continuam sendo uma sociedade aberta. Mas a AIPAC tem sistematicamente ignorado um debate com a J Street, uma organização judaica em ascensão que apoia Israel, opõe-se aos assentamentos e tenta recuperar os ideais progressivos do sionismo dizendo que a opressão sistemática contra os palestinos prejudica Israel.

“A visão dessas organizações continua sendo essencialmente a de que sempre que você critica Israel você está tentando destruir o Estado de Israel”, disse-me Jeremy Ben-Ami, presidente da J Street. “Eis aqui todas essas crianças judias sendo educadas com grandes valores liberais nas escolas hebraicas – manifestações pelos sem-teto, Darfur, Aids – mas que Deus nos livre de falar sobre o que está acontecendo em Israel! É uma dinâmica que impede o discurso.”

Os assuntos valem um debate do mais alto nível. As negociações no Oriente Médio simplesmente se corromperam mais uma vez, exatamente por causa dos assentamentos. O presidente Barack Obama praticamente não teve apoio em casa para sua tentativa de denunciar o crescimento dos assentamentos como algo inaceitável e prejudicial à paz de dois Estados em seu cerne: o território.

Obama foi deixado em suspenso, mais ainda depois das eleições de meio de mandato, e teve que se retirar. Isso não é meramente uma falha dos partidos. É uma falha dos políticos dos EUA e da forma como esses políticos estão presos no mantra do certo-ou-errado israelense que leva, inexoravelmente, com o tempo, a um Estado com mais árabes do que judeus. O que restará do sonho sionista?

A pesquisa de Stup o levou frequentemente à Cisjordânia. Ele voltava para Tel Aviv e falava sobre a humilhação palestina que via ali, e descobriu que os israelenses pareciam ignorar ou não se preocupar. Ele leu num jornal que 53% dos judeus de Israel encorajariam os árabes israelenses a sair do país - “e eu vi e senti isso na prática”.

Uma questão dolorosa se fortaleceu: “Vendo como era a ocupação, e levando em conta os ideias da democracia judaica com os quais fui educado, eu me perguntei: será que Israel está errado e os judeus norte-americanos estão defendendo esse erro?”

É tempo de pensar novamente e, acima de tudo, pensar abertamente. No mês passado, Ben-Ami deveria falar numa sinagoga judaica reformista, o Templo Beth Avodah, em Newton, perto de Boston. No último minuto, o evento foi cancelado por conta do que o rabino descreveu como uma forte oposição de um “pequeno grupo influente” dentro de sua congregação.

Grupos judaicos, ou sociedades Hillel, nos campi dos EUA às vezes descobrem que perderão seus maiores doadores se permitirem que um grupo de jovens J Street se forme dentro deles.

No mês passado, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, ao falar para as Federações Judaicas da América do Norte em New Orleans, foi interrompido por manifestantes com cartazes sugerindo que a ocupação e os juramentos de lealdade deslegitimam Israel. Suas faixas foram rasgadas (com os dentes) e os jovens judeus expulsos. No local onde uma conversa importante poderia acontecer, prevaleceu o confronto.

Stup, motivado a agir, juntou-se ao J Street. Essa decisão causou uma tremenda pressão em sua família na Filadélfia. Um amigo muito próximo da família foi até a casa de sua mãe recentemente e o acusou de “envenenar as mentes dos jovens judeus”. A amizade ficou abalada a ponto de se romper.

“Por quê”, Stup me perguntou, “encorajar os jovens a pensarem criticamente sobre as ações do governo israelense é envenenar mentes?”

(Roger Cohen escreve a coluna “The Globalist” para o International Herald Tribune.)
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http://wap.noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2010/12/12/judeus-que-criticam-politicas-de-israel-nao-sao-considerados-verdadeiros-judeus.htm

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