Pôster do filme “Criação” (Creation) - baseado no livro “Annie’s Box”, escrito por Randal Reynes, tataraneto de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A legalização das drogas e a queda da criminalidade

Ativistas realizam ação cultural no Rio contra o Dia de Combate às Drogas da ONU


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Os que se opõem à histórica Proposição 19 da Califórnia temem o pior. Afirmam que a descriminalização do uso, produção e venda de maconha é um convite ao desastre, que não justifica os estimados US$ 1,4 bilhão em novas receitas fiscais que receberiam os cofres estatais, nem os milhões poupados em detenções. Entre suas principais preocupações está o fato de que, se for aprovada nas eleições de novembro, essa iniciativa possa gerar mais crimes.
"A descriminalização alimenta o crime" não é um argumento novo no debate de políticas antinarcóticos. Em 1999, o czar antidrogas americano, o general Barry McCaffrey, afirmou que as políticas liberais em termos de narcóticos na Holanda eram o motivo pelo qual esse país tinha um índice de homicídios duas vezes maior que o dos EUA. Mas a estatística holandesa que McCaffrey citou incluía tanto os assassinatos como as tentativas de homicídio, o que demonstrou ser uma maneira conveniente de dissimular a verdade: a quantidade de homicídios nos EUA é de fato quatro vezes maior.
Este mês, o atual czar antidrogas, Gil Kerlikowske, utilizou uma tese semelhante em resposta à discussão sobre a legalização de estupefacientes no México, onde a violência das drogas deixou mais de 28 mil mortos nos últimos três anos e meio. Em uma entrevista à Bloomberg News, ele advertiu que os cartéis continuariam com atividades ilícitas como a extorsão e o sequestro. "Eles não vão parar de repente e procurar trabalho na IBM ou na Microsoft porque perderam parte de sua empresa criminosa", disse.
Se a história oferecer algum indício, Kerlikowske está correto, mas só pela metade. Daniel Okrent, autor do livro sobre a Lei Seca "Last Call: The Rise and Fall of Prohibition" [Última chamada: a ascensão e queda da Lei Seca], afirmou em entrevista que quando foi decretado o fim da proibição alguns contrabandistas que fizeram fortuna vendendo álcool ilegal passaram para o crime organizado, enquanto muitos outros tentaram se legitimar com atividades lícitas, primordialmente o jogo em Las Vegas. Depois, disse Okrent, o índice de criminalidade "diminuiu substancialmente".
Países como Portugal, Alemanha, Austrália e Brasil estão experimentando a liberalização do consumo de maconha. Ao fazer que a antiga atividade criminosa deixe de exigir ação judicial ou prisão, é de se esperar que esses países vejam uma redução no índice de criminalidade relacionado às drogas.
No entanto, legalizar o uso de narcóticos não é uma panaceia contra esse problema. Na verdade, o crime continua com força em outras facetas do narcotráfico e inclusive pode crescer de formas inesperadas.
A Holanda, talvez o mais famoso campo de testes de iniciativas de descriminalização, gerou oportunidades para os envolvidos no abastecimento, produção e distribuição de drogas.
"A realidade", disse em uma entrevista Martin Jelsma, especialista em políticas internacionais antidrogas do Instituto Transnacional, da Holanda, "é que há um nível significativo de crime no mercado de maconha na Holanda, porque só a venda de pequenas quantidades é permitida. Tudo o mais é penalizado como em qualquer outro lugar." Em outras palavras, o abastecimento continua nas mãos de criminosos.
Essa contradição intrínseca entre o livre consumo e o tráfico ilegal complicou o trabalho das autoridades, que inicialmente foram pouco estritas com os que se dedicavam ao comércio da droga. Em consequência, "os grupos criminosos tornaram-se mais fortes na Holanda" e começaram a exportar os narcóticos para outros países. Atualmente a polícia realiza batidas diárias para "conter a produção ao nível que seja necessário para o consumo doméstico", acrescentou.
Esse ato de malabarismo induziu muitos políticos na Holanda, Suíça e outros países a apoiar a legalização de todo o mercado de maconha. O grande obstáculo, além de certa resistência interna, é que essa mudança violaria tratados antidrogas assinados na ONU.
Modificar esses acordos exigiria um consenso global que demonstrou ser evasivo na questão das drogas ilícitas. Muitos líderes acreditam que legalização é a mesma coisa que capitulação. "Como não posso com eles, me rendo", disse o presidente peruano, Alan García, em uma entrevista recente, zombando do que considera uma atitude derrotista.
Essa perspectiva foi desafiada de forma infrutífera por vários anos. O novo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, demonstrou seu apoio à reconsideração desses tratados. Em uma carta enviada ao secretário-geral da ONU em 1998, Santos e outros disseram que "com muita frequência aqueles que clamam por um debate aberto, análise rigorosa das atuais políticas e séria consideração de alternativas são acusados de ter 'capitulado'. A verdade é que render-se é quando o temor e a inércia se unem para silenciar o debate, reprimir a análise crítica e desestimular todas as alternativas às atuais políticas".
Doze anos depois, o crime e a violência do narcotráfico só se ampliaram e se transformaram em fatos mais impiedosos. Para qualquer um que viu os efeitos negativos das drogas ilícitas - os corpos decapitados, as chacinas, os carros-bombas -, já é hora de que ocorra uma exploração honesta e profunda das opções para reduzi-los.

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http://noticias.uol.com.br/blogs-colunas/colunas-do-new-york-times/2010/08/28/a-legalizacao-das-drogas-e-a-queda-da-criminalidade.jhtm

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