Nadia passou por 14 cirurgias plásticas e, ao sair do hospital, assumiu a identidade do irmão morto
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Com 25 anos, Nadia Ghulam já tem uma historia de vida que virou livro. Em 1993, após ser atingida na guerra civil do Afeganistão, sua vida, seu corpo e rosto, e até seu nome mudaram. Com o irmão morto no mesmo conflito e o pai afetado por problemas mentais, faltou um chefe na família de outras duas filhas. Ela passou dois anos no hospital e por 14 cirurgias plásticas para configurar seu rosto gravemente queimado e desfigurado. Nadia voltou às ruas de Cabul sob o domínio Talibã, mas como um menino. Durante dez anos ela adotou o nome do irmão, Zelmai. Sem a casa, que virou pó após o ataque, e apenas com 11 anos de idade, ela seria a responsável por não deixar que sua família passe fome.
"Minha mãe grita enquanto retira, com mãos frenéticas, os pedaços de gesso e de cimento que caíram sobre mim. Cheios de pânicos seus olhos procuram algum indício de vida no meu corpo de 8 anos. Acaba de cair uma bomba em casa. E ela se lança a apagar com seu próprio corpo as chamas que incendeiam o meu, com um abraço que pretende me devolver a vida". Com estas palavras, Nadia e a jornalista catalã Agnès Rotger iniciam o livro O segredo do meu turbante, publicado na Espanha.
Atrás do turbante que mostrava apenas seus olhos, Nadia trabalhou muito, principalmente no campo. A comida nem sempre chegava para todos e a fome foi, inevitavelmente, bastante presente na sua família. "Minha mãe nos criou dizendo que não devemos pedir nada a ninguém", conta Nadia, que chegou a limpar poços de esgoto em troca de alimento.
Foram dez anos de trabalho duro, fome, humilhações e passando-se por uma pessoa que não era ela. Assim como seus sentimentos e desejos de menina foram obrigatoriamente reprimidos, ela também tentou impedir a formação de seu corpo de mulher raspando o cabelo e com faixas que apertavam seus seios.
Ainda entre tantas dificuldades, ela confiou nos professores e diretores das escolas onde estudou e assumiu duas personalidades: Zelmai, trabalhador, e Nadia, estudante. Para ela, estudar é o mais importante em sua vida e o melhor caminho para que as pessoas sejam melhores. "Mais da metade da população do Afeganistão é analfabeta, inclusive aqueles que estão ou estiveram no poder", afirma. "Sem estudos a pessoa se torna cega do mundo", completa em tom rancoroso.
Sua voz fina e a barba que ninguém nunca iria ver crescer faziam com que Nadia sentisse muito medo de ser descoberta pelo regime do Talibã, além de decepcionar os bons amigos que conquistou. Sem alternativa, ela decidade aceitar a ajuda de uma ONG da Espanha e deixa a sua família, Zelmai e o turbante para trás.
Em Barcelona, onde vive desde 2007, Nadia passou por outras quatro cirurgias plásticas e foi adotada por uma família. "Tenho muita sorte, eles são como anjos para mim", diz, ao se referir ao seu "papá" e sua "mamá". Feliz com seu aspecto, ela conta também que já não tem de responder todo o tempo o que aconteceu com o seu rosto.
Diferente do que acontece quando vai visitar sua família uma vez por ano no Afeganistão - onde as mulheres não saem de casa sem o véu que as cobrem dos pés a cabeça - Nadia não usa a burca em Barcelona. Para adaptar-se ainda mais à sua nova realidade e liberdade, ela prefere evitar esta roupa que vista também como uma ameaça terrorista em muitos países da Europa.
Ainda assim, segundo ela, na época do domínio Talibã no Afeganistão, derrubado em 2001, as mulheres se sentiam mais livres. "Com eles ali ninguém entrava nas casas e violava as mulheres diante de marido e filhos como costumava acontecer", conta. "Inclusive os ruídos de bomba acabaram, além disso, não havia roubos porque havia muito medo de que suas mãos fossem cortadas. Havia paz", confessa. "Não estou de acordo com o Talibã, mas tenho respeito por eles", diz.
Longe dos conflitos deste país islâmico considerado como um dos países mais perigosos do mundo e onde as mulheres ainda são excluídas da justiça, saúde e educação, Nadia sonha em cursar duas universidades: de psicologia e de direito. Enquanto não trabalha, ela envia dinheiro à sua família afegã com o Prêmio Prudenci Bertrana 2010, que recebeu com seu livro.
Em relação à admiração de quem vive ao seu redor, Nadia diz não atender a todas as expectativas. "Não acredito que a minha luta tenha acabado, ainda falta muito pela frente", diz. Aluna de um curso que se titula "Integração Social", ela ainda tenta adaptar-se à cultura da sociedade de Barcelona.
Contudo, o seu maior desejo seria ver os mais 30 anos de guerra no Afeganistão chegar ao fim. Como mulçumana, ela deposita suas esperanças na religião. "Quando isto acontecer, voltarei para lá", confessa
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sábado, 14 de maio de 2011
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