E ficamos mais um ano sem o nosso Prêmio Nobel em ciência, que os propagandistas mais delirantes consideram merecido. Por quem, cara-pálida? Falta combinar com os suecos, além de comer muito feijão e tornar a pesquisa brasileira menos provinciana.
Escrevo antes de saber o resultado da premiação em química. É quase certo que não sairá para um conterrâneo. Otto Richard Gottlieb já foi indicado por outro Nobel da área, Roald Hoffmann, mas seu momento parece ter passado.
Nossas melhores chances estavam na física. Só que Norberto Baibich ficou fora da equipe que dividiu a láurea de 2007 pela magnetorresistência gigante (Albert Fert, da França, e Peter Grünberg, da Alemanha). E Constantino Tsallis, formulador da entropia que leva seu nome, teve suas esperanças mais uma vez ignoradas pelo comitê da Academia Real Sueca de Ciências.
Peter Medawar, Nobel em Medicina ou Fisiologia de 1960, não conta. Embora tenha nascido no Estado do Rio e vivido em Petrópolis até os 14 anos, fez carreira científica no Reino Unido. E mais: nenhum dos três cotados acima nasceu no Brasil: Gottlieb é tcheco de nascença, Baibich é argentino, e Tsallis é grego.
Resta Miguel Nicolelis, brasileiríssimo, palmeirense roxo e lulista de primeira hora. Mas ele trabalha numa área aplicada (interfaces cérebro-máquina), que não faz tanto sucesso no Instituto Karolinska de Estocolmo. Além disso, desenvolveu a parte principal da carreira nos Estados Unidos, onde ainda mora e trabalha (embora tenha sido o principal responsável pela criação do Instituto Internacional de Neurociência de Natal, RN).
Flávio de Carvalho Serpa escreveu para a revista "Retrato do Brasil" uma extensa reportagem discutindo o paradoxo de a pesquisa nacional ser reconhecida no exterior, mas carecer de um Nobel. Na sua análise, o problema é ela não ser reconhecida como parte da cultura aqui mesmo - como assinalei ao receber o Prêmio José Reis em 2005.
Concordo, portanto, em gênero e número, mas não necessariamente em grau. Deve haver mais coisas para explicar o fracasso --tanto mais humilhante por haver prêmios Nobel argentinos, mexicanos e até venezuelanos. Não seria uma deficiência só da cultura brasileira, mas da própria comunidade científica nacional.
Ela vai amadurecer e frutificar, seja para merecer um Nobel, seja para produzir a inovação de que o país necessita, quando começar a entender que não basta multiplicar o número de doutores formados e de artigos publicados em revistas internacionais. Isso vem sendo feito e é bom, mesmo quando a toque de caixa.
Quantidade, contudo, não quer dizer qualidade. Como nota o especialista em produção científica Rogério Meneghini, nenhuma universidade brasileira entrou no ranking das 200 melhores universidades do mundo compilado pela publicação "Times Higher Education". Aliás, nenhuma instituição latino-americana está na lista.
Classificações desse tipo têm suas limitações, mas não é o caso de discuti-los aqui, pois o resultado se revela coerente com o sintoma do Nobel. Meneghini alinha várias razões para o mau desempenho: estrutura curricular arcaica, que força definição prematura dos jovens sobre carreira; grades de disciplinas inflexíveis, que dificultam a interdisciplinaridade; vestibulares, que deslocam o ápice do esforço acadêmico para entrar na universidade, e não para permanecer nela.
A razão mais importante, talvez, seja o provincianismo de nossas instituições universitárias, que concentram 70% da produção científica nacional. A cooperação internacional nunca foi grande coisa, e agora há indícios de que esteja recuando, com a política de fomento que favorece a realização de doutorados e pós-doutorados aqui mesmo no Brasil.
Segundo dados colhidos por Meneghini na base internacional Web of Science, só 25% dos trabalhos científicos brasileiros publicados em revistas internacionais resulta de colaboração com grupos de outros países. México, Argentina e Chile têm índices superiores. Nesse outro ranking, estamos na 40ª posição dos 45 países que mais produzem ciência.
Um estudo produzido só por pesquisadores brasileiros, gostemos ou não, tem menos chance de ser aceito num periódico de renome. Resultado: embora esteja na 13ª posição em volume de publicações (2008), o país cai para o 35º lugar quando se mede a qualidade por meio do impacto obtido na comunidade internacional, ou seja, a quantidade de citações a esses trabalhos em pesquisas subsequentes.
Obrigar jovens graduados e mestres de talento a fazer doutorado em universidades muitas vezes medíocres, não raro no mesmo departamento em que se formaram, não é uma política que favoreça o desenvolvimento de uma mentalidade científica cosmopolita. O argumento é ainda mais válido para os já doutorados.
Nacionalismo, em ciência, é sinônimo de provincianismo e paroquialismo. Não combina com Nobel.
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MARCELO LEITE é repórter especial da Folha, autor dos livros "Folha Explica Darwin" (Publifolha) e "Ciência - Use com Cuidado" (Unicamp) e responsável pelo blog Ciência em Dia (Ciência em dia). Escreve às quartas-feiras neste espaço.
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http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloleite/810316-brasil-sem-nobel.shtml
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
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