The New York Times – 16/10/2010
Adam Nagourney
Em Los Angeles (EUA)
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Governo dos EUA pretende atuar agressivamente contra as leis de maconha da Califórnia
O Departamento de Justiça diz que pretende atuar agressivamente contra as leis de maconha da Califórnia, apesar dos eleitores do Estado terem aprovado uma iniciativa para legalização da droga, que será votada em 2 de novembro.
O anúncio por Eric H. Holder Jr., o secretário de Justiça, foi o mais recente lembrete de quanto o establishment cerrou fileira contra a iniciativa popular: dezenas de editoriais, candidatos, o governador Arnold Schwarzenegger e outras autoridades.
Ainda assim, apesar da oposição –ou talvez, até certo ponto, por causa dela– a medida, a Proposta 19, parece ter ao menos uma chance razoável de vencer, atraindo até o momento um apoio considerável nas pesquisas de uma coalizão de democratas, independentes e jovens eleitores à medida que o dia da eleição se aproxima. Caso isso aconteça, representaria a consolidação de uma mudança cultural na Califórnia, onde a maconha medicinal é legal desde 1996 e onde a droga é celebrada na cultura popular desde pelo menos os anos 60.
Mas poderia lançar o Estado mais populoso do país em um conflito complicado com o governo federal, que os oponentes da proposta dizem que deveria fazer os eleitores da Califórnia pensarem duas vezes antes de apoiá-la.
Washington em geral tem feito vista grossa enquanto uma crescente indústria da maconha medicinal tem prosperado aqui e em outros 14 Estados e no Distrito de Colúmbia. Entretanto, a posição de Holder, revelada em uma carta nesta semana para nove ex-chefes da DEA (a agência de combate às drogas dos Estados Unidos), que se tornou pública na sexta-feira– deixa claro que a legalização da droga para uso recreativo provocaria um maior escrutínio por parte de Washington.
Holder não declarou plenamente os motivos para a decisão, mas mencionou a relutância do governo federal de fiscalizar leis antinarcóticos de forma diferente em Estados diferentes.
“Se aprovada, esta legislação complicará enormemente os esforços federais de combate às drogas, em detrimento de nossos cidadãos”, ele escreveu.
O xerife de Los Angeles County, Lee Baca, que é um dos principais oponentes da medida, abraçou rapidamente a posição do Departamento de Justiça. Ele disse que a iniciativa é inconstitucional e prometeu continuar aplicando as leis contra a maconha, independente dos que os eleitores decidam em novembro.
Os defensores da iniciativa retrataram o apoio a ela como outro exemplo, em um ano de antigoverno, dos eleitores rejeitando a autoridade.
“Que venha o establishment”, disse Chris Legane, um consultor da campanha para aprovação da iniciativa. “Esta campanha, e a energia que a impulsiona, é baseada no entendimento comum de que a abordagem de proibição por parte do establishment é um fracasso total, como comprovado pelo fato de atualmente ser mais fácil para uma criança ter acesso à maconha do que comprar cerveja ou cigarro.”
Mas Roger Salazar, o consultor político que está dirigindo o esforço para derrotar a proposta, disse que a declaração de Holder deve reforçar as profundas preocupações com a iniciativa, incluindo a forma como foi redigida e o que ele chamou de alegações exageradas dos defensores sobre o que a legalização causaria.
“Foi uma espécie de alerta por parte do governo federal. Ele está dizendo: ‘Se isso caminhar na direção que pensamos que está, nós caçaremos vocês’”, ele disse. “Isso dá aos eleitores da Califórnia mais um motivo para pensarem bem.”
Caso a Califórnia se transforme no primeiro Estado a legalizar a maconha para uso recreativo, ela forneceria aos defensores da legalização o teste da vida real que há muito desejavam: o de que ela forneceria uma nova fonte de receita para o governo, reduziria a violência relacionada às drogas e colocaria um fim a uma proibição que, na prática, torna muitos cidadãos fora-da-lei.
Mas independente do que façam os eleitores ou Holder, o uso da maconha na Califórnia atualmente parece legal na prática.
Schwarzenegger sancionou uma legislação no mês passado que torna a posse de uma onça (28 gr) de maconha uma infração –ela anteriormente era uma contravenção– punível com multa de US$ 100.
Os dispensários de maconha medicinal são comuns em muitas partes do Estado, e obter uma prescrição médica não é difícil. Os membros da geração pós-Segunda Guerra Mundial que não fumavam maconha desde a faculdade agora falam abertamente em jantares sobre sua experiência “medicinal” com a droga. O cheiro de maconha é comum em concertos ao ar livre em lugares como o Hollywood Bowl.
Uma pesquisa Field no mês passado revelou que 50% dos entrevistados disseram que a maconha deveria ser legalizada; isso representa um aumento em comparação a 13% em 1969, quando a organização fez a pergunta pela primeira vez; 47% disseram ter fumado maconha pelo menos uma vez, em comparação a 28% quando a pergunta foi feita em 1975.
“Esta é a primeira geração de estudantes colegiais em que a maioria dos pais já fumou maconha”, disse Ethan Nadelmann, diretor executivo da Aliança para Políticas para Drogas, que tem atuado em prol da aprovação da iniciativa.
A presença da iniciativa na cédula eleitoral encorajou os democratas, que argumentam que ela provocará um aumento do comparecimento dos eleitores jovens para votar.
Notadamente, nenhum dos principais candidatos estaduais apoia a medida. Talvez de forma igualmente notável, nenhum transformou a proposta em tema de campanha.
O Partido Republicano estadual se posicionou oficialmente contra a Proposta 19 e planeja pedir aos eleitores que votem pelo “não”, disse Ron Nehring, o presidente do partido. Ele a chamou de um “grande erro” e zombou da noção de que a presença da proposta na cédula venha a ajudar os democratas.
“Nós a chamamos de estratégia ‘Salve a Mary Jane’ deles”, ele disse.
John Burton, o presidente do Partido Democrata da Califórnia, disse que seu partido decidiu permanecer neutro no assunto. Ao ser perguntado se a apoia, Burton respondeu: “Eu já votei a favor. Por que não? Trará algum dinheiro para o Estado. Ajuda contra o déficit. É melhor do que vender prédios públicos para empreendedores imobiliários.”
Mark Baldassare, o presidente do Instituto de Políticas Públicas da Califórnia, notou que as pesquisas apontam a medida superando 50% de aprovação, mas disse que dada a história das iniciativas no Estado, isso significa que sua aprovação está longe de garantida.
A oposição surgiu de várias frentes, variando de Baca e outras autoridades até a Câmara de Comércio, que alertou que ela criaria problemas de saúde no local de trabalho.
Ainda assim, um grande número de simpatizantes –incluindo autoridades e grandes sindicatos, como o Sindicato Internacional dos Funcionários do Setor de Serviços– sinaliza quão popular o movimento está se tornando.
“Eu acho que consumimos drogas muito mais perigosas que são legais: cigarros e álcool”, disse Joycelyn Elders, uma ex-secretária estadual de Saúde e defensora da medida. “Eu acho que elas causam efeitos físicos bem mais devastadores. Nós precisamos colocar um fim à proibição da maconha.”
Tradução: George El Khouri Andolfato
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http://coletivodar.wordpress.com/2010/10/16/eua-fiscalizarao-leis-contra-maconha-independente-de-votacoes-estaduais/
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