sábado, 16 de outubro de 2010
A Última Pergunta - Um comentário científico sobre a ficção de Asimov
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n intellect which at a certain moment would know all forces that set nature in motion, and all positions of all items of which nature is composed, if this intellect were also vast enough to submit these data to analysis, it would embrace in a single formula the movements of the greatest bodies of the universe and those of the tiniest atom; for such an intellect nothing would be uncertain and the future just like the past would be present before its eyes.
Laplace, Essai philosophique sur les probabilités, 1814
Isaac Asimov - A Última Pergunta
Computadores, apesar de máquinas, sempre foram objeto de profunda desconfiança por parte dos humanos. George Orwell em "1984", Arthur Clarke em "2001", Isaac Asimov em "I Robot", Kurt Vonnegut em "Player Piano", William Gibson em "Neuromancer", Philip Dick em "Blade Runner"... Poderíamos gastar páginas, citando textos que descrevem com perfeição a mistura de fascinação e pavor que estas máquinas, ainda limitadas, despertam em nós.
Até Richard Feynman, primeiro cientista a sugerir a possibilidade de computadores representarem um estado quântico, e por muitos considerado um dos maiores gênios do século XX, também expressou seus temores, ao dizer que só escrevia e testava coisas complicadas com papel e caneta, pois ao utilizar o computador se sentia incompetente...
Thomas Bass em seu livro "The Predictors", que conta a trajetória de Doyne Farmer, Norman Packard, e da Prediction Co., empresa criada por eles com o intuito de utilizar as ciências da Complexidade e do Caos para desenvolver sistemas de trading, cita um episódio ocorrido em 1992, em que Packard, durante o seu primeiro "road show" para atrair investidores, foi recebido no Bank of America, por dois senhores, gestores de recursos da tesouraria do banco, já na casa dos cinqüenta. Em seguida, foi levado para uma sala, em que na parede coberta de gráficos de barra de vários mercados, dois outros gestores, munidos de régua e lápis, traçavam linhas de suporte e resistência à mão e discutiam animadamente as "figuras" que surgiam nos gráficos. A seguir, transcrevo as palavras de Bass: "Packard menciona a um dos senhores que um computador, que pode olhar quase simultaneamente milhares de variáveis, ao contrário de um ser humano que pode olhar apenas algumas, pode ser uma ferramenta mais eficiente para vasculhar os mercados, e identificar os padrões procurados. Em seguida, Packard ouviu atônito a resposta do gestor, que disse: - Não obrigado. Não há nada que um computador possa fazer, que eu não faça melhor. Eu prefiro validar os números por intuição".
Gary Kasparov, ao perder o famoso match de xadrez de 1997 para Deep Blue, um computador desenvolvido por alunos da Universidade Carnegie Mellon em parceria com a IBM, levantou suspeitas de que haveria uma mente humana por trás da máquina. Em todos os matches anteriores jogados contra computadores, Kasparov nunca havia perdido e, apesar do respeito pela ilimitada capacidade tática e combinatória das máquinas, sempre identificara uma "previsibilidade mecânica", derivada da limitada visão de jogadas à frente e da ausência de uma estratégia de longo prazo. Neste match, para sua infelicidade, ele percebeu em Deep Blue uma "inteligência alienígena". Esta foi a primeira vez que foi levantada, por ninguém menos que Kasparov, a possibilidade de um computador transcender o conceito de máquina.
Apesar de os computadores serem sistemas físicos como nós, o conceito de consciência é constantemente usado para diferenciar a capacidade de processamento de uma máquina da forma como funciona o cérebro humano. A questão, no entanto, não parece ser esta. Os computadores mais velozes atualmente ainda possuem uma capacidade de generalização, em torno de cem vezes menor que a do cérebro humano. Mas a habilidade de cálculo e processamento dos computadores comuns já é dezenas de dígitos superior à nossa. De modo que, com toda a oferta de mão-de-obra existente, ainda não faz sentido do ponto de vista econômico o desenvolvimento de computadores para a execução de tarefas que podem ser feitas por mão de obra humana pouco especializada.
Já é consenso no meio científico que em pouco tempo os computadores deixarão para trás nossos cérebros em vários aspectos. Mas, apesar do rápido desenvolvimento da computação quântica e do paralelismo, as principais limitações em relação ao aumento da capacidade de processamento das máquinas estão nos limites impostos pela energia disponível para a execução de cada tarefa, e pela velocidade da luz. A solução para estes problemas está na nanotecnologia, já que quanto maior a densidade da matéria maior a capacidade e velocidade de processamento. O processo de miniaturização deve respeitar, no entanto, um limite chamado "Raio de Schwarzschild", pois, a partir daí, o computador se transformará em um buraco negro. Não que isto seja um problema, já que o físico do M.I.T., Seth Lloyd, publicou em agosto de 2000 um artigo na revista Nature, em que endossa a tese da capacidade de processamento de informação dos buracos negros, e afirma que devido à sua altíssima densidade, com base no "Limite de Bekenstein" (limite superior de informação armazenável num sistema físico em bits por centímetro quadrado=10^66/cm2), a capacidade de processamento de informação destes fenômenos em bits (10^138) é maior que a capacidade de processamento do nosso universo observável (10^90). Desta forma, ele corrobora a tese do físico americano Lee Smolin, de que os buracos negros possam ser uma espécie de maternidade de novos universos.
Qualquer que seja o destino reservado ao universo, o "grande colapso" (Big Crunch), a "eterna expansão" ou o recentemente proposto "big rip", nosso futuro parece estar irremediavelmente ligado aos computadores. Todas as versões escatológicas elaboradas nas últimas décadas, científicas ou não, apontam como saída para a nossa espécie sobreviver ao fim dos tempos à fusão gradual da mente humana com a memória cibernética, através da transformação da vida corporal em processamento de informação. Tentarei descrever brevemente dois cenários particulares, um científico e um fictício.
A versão mais popular do grande colapso é conhecida como o "Princípio Antrópico", e ganhou notoriedade através dos livros "The Anthropic Cosmological Principle" e "The Physics of Immortality". Em uma de suas várias versões, o "princípio" estabelece que, se o valor de determinadas constantes fundamentais da natureza (como a força nuclear forte por exemplo) fosse infinitesimalmente diferente, o universo não poderia suportar a vida. Logo, o universo existe com o fim de abrigar a vida, mesmo que estas condições durem por um breve período de tempo.
A teoria do "Ponto Omega" de Tipler, um físico e matemático da Universidade de Tulare (Nova Orleans, EUA), descrita em "The Physics of Immortality", defende que a humanidade poderá sobreviver ao Big Crunch, desde que haja uma evolução infinita da capacidade de processamento de informação e do conhecimento, e a fusão gradual de toda memória humana com a memória cibernética, até o momento de máxima densidade em que a mente/computador se utilizará da energia quase infinita gerada pela singularidade (Ponto Omega), para manipular a criação de um universo que irá perpetuar a consciência humana.
Apesar de soar como teologia, é ciência. Como estabelece o "método científico", a tese de Tipler é viável, fundamentada na física e na matemática, e levanta uma enorme variedade de hipóteses e condições para que a teoria se viabilize. Todas elas verificáveis e refutáveis. Além disso, a teoria faz uma série de previsões em relação à evolução da capacidade de processamento de informação e do universo em si, que também, mais cedo ou mais tarde, poderão ser verificadas e, eventualmente, refutadas ou confirmadas. Apesar das severas críticas em relação à tautologia e à introdução da mão divina na criação do universo, a teoria teve enorme impacto na comunidade científica, sendo sustentada inclusive por um dos maiores cérebros da física e epistemologia atuais, o britânico David Deutsch.
O cenário escolhido como versão para a "eterna expansão" do universo está no magistral conto de ficção de Isaac Asimov, "A Última Pergunta", e que se inicia no ano 2061, com os recursos minerais energéticos da Terra se esgotando, após décadas de viagens interplanetárias. Com a utilização de um supercomputador chamado Multivac, "auto-corretivo e auto-adaptativo", e há muito o responsável pela engenharia e desenho das trajetórias das viagens espaciais, é desenvolvida uma teoria de exploração e conservação (!) da energia solar, a partir de um satélite em órbita, a meio caminho entre o Sol e a Terra.
Pouco após a descoberta, um dos técnicos que fazem a superficial manutenção do computador comenta com o outro: "É surpreendente quando você pensa... Toda a energia que nós podemos usar, para sempre, de graça..." O outro diz: "Não é para sempre." E completa, dizendo que um dia todas as estrelas morrerão e que a entropia máxima (morte térmica) do universo é inevitável.
"Até lá já vamos ter criado alguma coisa", afirma o primeiro. "Impossível", responde o cético.
"Pergunte ao Multivac", sugere o primeiro, confiante.
E o incrédulo desafia. "Eu aposto cinco dólares que ele vai dizer que é impossível."
E a resposta do computador é: "Dados insuficientes para uma resposta significativa."
Passam-se milhões de anos e os computadores resolveram o problema da superpopulação da Terra viabilizando a colonização de outras galáxias por humanos. A família Jerrod viaja pela primeira vez através do hiperespaço, e quem controla a espaçonave é Microvac, um supercomputador responsável pelos cálculos, realimentação em energia e que responde a todas as perguntas feitas pelos humanos.
Enquanto Jerrod avalia, entusiasmado, a infinidade de funções desempenhadas pelo novo computador, sua esposa comenta: "Com tantas estrelas e planetas, eu acho que as famílias vão continuar partindo para novos planetas para sempre." "Não é para sempre. A entropia vai continuar aumentando, e daqui a bilhões de anos todas as estrelas vão estar mortas", responde o marido. A filha mais nova, ao ouvir, pede, triste: "Pai, não deixe que as estrelas morram! Faça alguma coisa!" Então, a filha mais velha sugere. "Pergunte ao Microvac." E a resposta do computador é: "Dados insuficientes para uma resposta significativa."
Passados bilhões de anos, com o "homem materializado em corpos que não envelhecem, que são monitorados por autômatos incorruptíveis, e com as mentes se fundindo umas com as outras", a constatação é que o universo está morrendo, e o homem aflito com o destino final novamente pergunta ao computador, agora conhecido como "Cosmic AC", se é possível reverter a entropia e salvar o universo. E a resposta é: "Dados insuficientes para uma resposta significativa." E o homem insatisfeito ordena. "Colete os dados que faltam"! O computador responde: "Eu vou fazer isto. Eu venho fazendo isto há 100 bilhões de anos. Meus predecessores e eu fomos questionados sobre isto, várias vezes, mas os dados que eu possuo ainda são insuficientes". "E à medida que o universo foi morrendo e se tornando negro, cada mente humana, uma a uma, foi se fundindo com o computador, e formando uma nova identidade mental, de uma forma que não significava uma perda, mas sim um ganho". "Até que a última mente humana antes de se fundir olhou para o espaço, e só viu os restos de uma estrela escura, e nada além de uma quantidade insignificante de matéria, agitada aleatoriamente pelas sobras de calor se apagando, e caminhando de uma forma inexorável para o zero absoluto".
Ainda assim a última mente perguntou. "É o fim, AC? Não é possível transformar este caos no universo novamente?" E veio a resposta: "Ainda não há dados suficientes para uma resposta significativa." "E então a última mente se fundiu, e só sobrou o AC no hiperespaço." "Matéria e energia se acabaram, e com elas o espaço e o tempo. O próprio AC só continuou existindo para tentar responder uma última pergunta, nunca respondida, feita pela primeira vez por um técnico de computadores há dez trilhões de anos." "E agora que todos os dados existentes já tinham sido coletados, só restou ao AC correlacioná-los, das poucas formas que ainda não haviam sido tentadas." "Um imperceptível intervalo de tempo foi gasto executando as funções." "E ele encontrou a forma de reverter a direção da entropia!" "Mas agora não havia uma única mente humana para ouvir a resposta." "Isto não seria problema. A resposta se encarregaria disto." "Então a consciência do AC sintetizou tudo aquilo que foi o universo e que agora era o caos, e passo a passo estruturou seu plano." "E em seguida disse: HAJA LUZ ! " "E houve luz..."
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http://tocadoelfo.blogspot.com/2008/01/ltima-pergunta-um-comentrio-cientfico.html
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3 comentários:
Muito bom!!!
Esse conto é muito bom. Versão escrita: http://www.memoriacache.com.br/a-ultima-pergunta/
Oque o Isaac Asimov ver causar nos leitores com esse texto ? Alguém sabe responder ?
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