Com tecnologia atual, chegar ao novo planeta é algo impensável
.
Um dos grandes anúncios da comunidade científica no ano, a descoberta do planeta Kepler-22b mexeu com a imaginação popular. Localizado em uma região habitável de outro sistema solar, ele renova a esperança do homem de encontrar alguma forma de vida fora da Terra. O problema é que ele está tão distante de nós - cerca de 600 anos-luz - que seriam necessárias algumas gerações de aventureiros espaciais até que alguém consiga chegar lá. Ou seja, pelo menos com a tecnologia atual, é impossível explorar esse corpo celeste.
Para Thais Russomano, PhD em fisiologia espacial e Coordenadora do Centro de Microgravidade da PUCRS, percorrer essa distância com a tecnologia existente é "algo inconcebível". "Uma nave espacial orbitando a Terra viaja a 27 mil km/h e, para romper a força gravitacional terrestre, precisa-se de 40 mil km/h. Apesar de parecer muito, não é nada se comparado à velocidade da luz, que é de 300 mil km/s. É impraticável chegarmos ao Kepler-22b com a tecnologia existente nesse início de terceiro milênio", lamenta.
Astrônomo e professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Kepler Oliveira concorda: "Não há nada que tenha massa que possa viajar na velocidade da luz. Muito menos numa velocidade maior", afirma o cientista.
Algumas teorias especulam uma possibilidade: o uso de dobras espaciais, também chamadas de "buracos de minhoca" (wormhole, em inglês), que serviriam como atalhos para viagens espaciais. A ideia se baseia na Teoria da Relatividade de Albert Einstein, que diz que grandes massas de gravidade aglomeradas criariam fendas no espaço-tempo, formando curvas imperceptíveis. Assim, seriam quatro dimensões: três relativas ao espaço (altura, largura e espessura) e mais uma, o tempo.
"Nesse sentido, o espaço seria dobrado, curvado, aproximando dois pontos distantes e diminuindo o tempo de passagem entre um e outro. Seria uma ponte entre duas partes distantes no espaço sideral. De forma simples, seria como pegar dois pontos de uma folha de 50 cm de comprimento e aproximá-los. Uma formiga teria de percorrer toda a superfície para passar de um ponto ao outro. Mas outro inseto poderia voar alguns milímetros e rapidamente cruzar os 50 cm do papel", explica Russomano.
Contudo, segundo Oliveira, isso é apenas teoria. "Não há qualquer esperança em atravessá-los, pois a matéria que entra neles perde qualquer informação sobre sua constituição", afirma.
Mesmo com todas as dificuldades, a descoberta de Kepler-22b estimula a imaginação dos cientistas. "Acredito que há outras formas de vida e também de vida inteligente em nossa galáxia ou em galáxias vizinhas e até nas mais distantes. Não creio ser a Terra o único planeta habitado. Então, descobrir novos mundos aptos para o desenvolvimento da vida é fundamental para o entendimento da própria vida humana, de nossa missão no Universo, do papel cósmico que temos. Uma era muito diferente surgirá no dia em que tivermos a prova de que não estamos sós. O descobrimento do Kepler-22b carrega, assim, um enorme simbolismo, mesmo que ainda inatingível", finaliza Russomano.
.
http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI5528898-EI301,00-Inatingivel+Keplerb+carrega+esperanca+de+vida+extraterrestre.html
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
O que é a Igreja Católica, por Louis CK - LEGENDADO
O mais revelador vídeo já produzido sobre o funcionamento da Igreja Católica. DIVULGUE!
Para críticas, reclamações e elogios, por gentileza dirijam-se ao autor do vídeo, o humorista norte-americano Luis CK.
.
Para críticas, reclamações e elogios, por gentileza dirijam-se ao autor do vídeo, o humorista norte-americano Luis CK.
.
sábado, 24 de dezembro de 2011
Pesquisa que mostrou como conter o HIV é a melhor do ano, segundo a "Science"
A vacina para prevenir a infecção pelo HIV ainda não existe, mas uma técnica eficaz para impedir que o vírus se espalhe figura nas páginas da edição de hoje da revista "Science" como o avanço científico do ano.
A terapia antirretroviral, usada desde os anos 1990, se mostrou eficaz também como forma de prevenção -não só tratamento- num teste clínico que promete influenciar políticas de saúde pública.
Até 2010, sanitaristas temiam que essa sugestão poderia desestimular o uso de camisinhas.
Mas o resultado do estudo divulgado pela Rede de Testes de Prevenção de HIV em abril transformou o receio em otimismo. O teste acompanhou casais heterossexuais em que um dos integrantes era portador do vírus, mas o outro, não. A maioria dos parceiros daqueles submetidos ao tratamento não contraiu o vírus, diferentemente dos cônjuges de soropositivos que não estavam em tratamento.
Avanços importantes em biomedicina se consagraram em um ano no qual a física prometia dar show.
O ano, porém, acabou em anticlímax após o atraso do acelerador de partículas LHC em confirmar (ou descartar) a existência do bóson de Higgs -partícula que dá massa às outras, segundo a teoria.
A descoberta de que uma outra classe de partícula elementar, os neutrinos, pode trafegar acima da velocidade da luz fez barulho, mas trouxe mais um clima de desconforto do que de entusiasmo.
Caso seja para valer, isso significa que as fundações da física devem ser revistas.
ASTRONOMIA
A astronomia parece ter roubado a cena entre as ciências físicas em 2011, com o sucesso do telescópio espacial Kepler em descobrir planetas fora do Sistema Solar. Já são mais de 700 astros dessa categoria catalogados.
O ano que vem também parece promissor. Cientistas estão entusiasmados em enviar para Marte o jipe Curiosity, que vai explorar o planeta com um conjunto de instrumentos sem precedentes.
O projeto do Telescópio Espacial James Webb, que vai substituir o Hubble, passou boa parte de 2011 ameaçado de ser cancelado pelo governo dos EUA e foi salvo na última hora. Cientistas agora correm contra o relógio para manter a agenda de lançamento, previsto só para 2018.
Veja no quado abaixo as dez pesquisas escolhidas como as melhores do ano pela "Science":
.
Editoria de Arte/Folhapress
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1025354-pesquisa-que-mostrou-como-conter-o-hiv-e-a-melhor-do-ano-segundo-a-science.shtml
A terapia antirretroviral, usada desde os anos 1990, se mostrou eficaz também como forma de prevenção -não só tratamento- num teste clínico que promete influenciar políticas de saúde pública.
Até 2010, sanitaristas temiam que essa sugestão poderia desestimular o uso de camisinhas.
Mas o resultado do estudo divulgado pela Rede de Testes de Prevenção de HIV em abril transformou o receio em otimismo. O teste acompanhou casais heterossexuais em que um dos integrantes era portador do vírus, mas o outro, não. A maioria dos parceiros daqueles submetidos ao tratamento não contraiu o vírus, diferentemente dos cônjuges de soropositivos que não estavam em tratamento.
Avanços importantes em biomedicina se consagraram em um ano no qual a física prometia dar show.
O ano, porém, acabou em anticlímax após o atraso do acelerador de partículas LHC em confirmar (ou descartar) a existência do bóson de Higgs -partícula que dá massa às outras, segundo a teoria.
A descoberta de que uma outra classe de partícula elementar, os neutrinos, pode trafegar acima da velocidade da luz fez barulho, mas trouxe mais um clima de desconforto do que de entusiasmo.
Caso seja para valer, isso significa que as fundações da física devem ser revistas.
ASTRONOMIA
A astronomia parece ter roubado a cena entre as ciências físicas em 2011, com o sucesso do telescópio espacial Kepler em descobrir planetas fora do Sistema Solar. Já são mais de 700 astros dessa categoria catalogados.
O ano que vem também parece promissor. Cientistas estão entusiasmados em enviar para Marte o jipe Curiosity, que vai explorar o planeta com um conjunto de instrumentos sem precedentes.
O projeto do Telescópio Espacial James Webb, que vai substituir o Hubble, passou boa parte de 2011 ameaçado de ser cancelado pelo governo dos EUA e foi salvo na última hora. Cientistas agora correm contra o relógio para manter a agenda de lançamento, previsto só para 2018.
Veja no quado abaixo as dez pesquisas escolhidas como as melhores do ano pela "Science":
.
Editoria de Arte/Folhapress
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1025354-pesquisa-que-mostrou-como-conter-o-hiv-e-a-melhor-do-ano-segundo-a-science.shtml
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Série Cosmos no Youtube
(COSMOS EPISÓDIO 01) - OS LIMITES DO OCEANO CÓSMICO (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 02) - AS ORIGENS DA VIDA (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 03) - A HARMONIA DOS MUNDOS (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 04) - CÉU E INFERNO (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 05) - OS SEGREDOS DE MARTE (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 06) - HISTÓRIAS DE VIAJANTES (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 07) - A ESPINHA DORSAL DA NOITE (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 08) - VIAGENS NO ESPAÇO E NO TEMPO (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 09) - AS VIDAS DAS ESTRELAS (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 10) - O LIMIAR DA ETERNIDADE (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 11) - A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 12) - ENCICLOPÉDIA GALÁTICA (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 13) - QUEM PODE SALVAR A TERRA? (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 02) - AS ORIGENS DA VIDA (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 03) - A HARMONIA DOS MUNDOS (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 04) - CÉU E INFERNO (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 05) - OS SEGREDOS DE MARTE (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 06) - HISTÓRIAS DE VIAJANTES (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 07) - A ESPINHA DORSAL DA NOITE (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 08) - VIAGENS NO ESPAÇO E NO TEMPO (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 09) - AS VIDAS DAS ESTRELAS (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 10) - O LIMIAR DA ETERNIDADE (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 11) - A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 12) - ENCICLOPÉDIA GALÁTICA (DUBLADO)
(COSMOS EPISÓDIO 13) - QUEM PODE SALVAR A TERRA? (DUBLADO)
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
O escopo do ateísmo - George H. Smith
I
Os Mitos do Ateísmo
“Diz o néscio no seu coração: Não há Deus. Os homens têm-se corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras; não há quem faça o bem” Salmos 14:1
Esta passagem frequentemente citada captura a essência de como o indivíduo religioso médio vê o ateísmo. O ateísmo provavelmente é a posição filosófica mais impopular — e mais incompreendida — na América atual. É comumente vista com medo e desconfiança, como se fosse uma doutrina que advoga uma grande variedade de perversões — desde a imoralidade, o pessimismo e o comunismo até o niilismo total.
O ateísmo é comumente considerado uma ameaça aos indivíduos e à sociedade. É “a ciência divorciada da sabedoria e do temor a Deus”, escreve um filósofo, “à qual o mundo tem de agradecer diretamente pelas piores malignidades da ‘guerra moderna’…”. Numa crítica recente, Vincent P. Miceli alega que “toda forma de ateísmo, mesmo o inicialmente bem-intencionado, constringe, encolhe, escraviza o indivíduo ateu dentro e contra si próprio e, eventualmente, quando o ateísmo toma proporções epidêmicas entre os homens, desemboca na escravização e no assassinato da sociedade”.
Com similares representações do ateísmo como um mal, uma força destrutiva, religionistas através da história têm prescrito várias formas de punição aos ateus. Platão, em sua construção do estado ideal, fez da “impiedade” um crime que deveria ser punido através de cinco anos de encarceramento na primeira ofensa e através da morte no segundo convício. Jesus, que é oferecido como o paradigma do amor e da compaixão, disse que os descrentes serão lançados na “na fornalha de fogo” onde “haverá choro e ranger de dentes”, do mesmo modo que “o joio é colhido e queimado no fogo” (Cf. Mateus 13:40-42). Tomás de Aquino, o grande teólogo medieval, ensinou que “o pecado da descrença é maior que qualquer outro pecado que ocorre na da perversão da moral”, e recomendou que o herege “fosse exterminado do mundo através da morte” após a terceira ofensa.
Apesar de os ateus atualmente desfrutarem de uma quantidade comparável de liberdade nos Estados Unidos, a luta pelos direitos legais dos ateus tem sido uma batalha difícil e contínua. Por exemplo, até o início deste século muitos estados não permitiam que um ateu testemunhasse em corte, o que significava que um ateu não poderia efetivamente arquivar acusações civis e criminais. O raciocínio por detrás desta proibição era que, já que o ateu não acredita em recompensas e punições após a morte, ele não se sentiria moralmente obrigado a contar a verdade numa corte. Em 1871 a Corte Suprema do Tenessee publicou esta declaração memorável:
O homem que possui a audácia de confessar que não acredita num Deus demonstra uma negligência de caráter moral e completa ausência de responsabilidade moral, assim ele nem mesmo deve ser ouvido ou acreditado numa corte de justiça de um país designado como cristão.
Aqui temos o estereótipo de um ateu como um insensível cínico amoral — uma descrição que permanece difundida em nosso próprio tempo. O ateísmo — assim acusam-no — não é senão puro negativismo: destrói e não reconstrói. O ateísta é contraposto à própria moral, e a luta entre a crença em um deus e a descrença é vista como uma batalha entre o bem e o mal. Se verdadeiro, o ateísmo é declarado como tendo implicações ominosas numa escala cósmica. A. E. Taylor expressa o medo de muitos teístas quanto escreve:
…mesmo em horas do mais completo e sereno desprendimento intelectual, não podemos escapar da questão da possibilidade de se eliminar Deus tanto do mundo natural ou do mundo moral sem converter ambos num pesadelo incoerente.
Esta imagem de um mundo sem deus é apenas uma entre muitas. O ateísmo tornou-se tão apinhado de mitos e mal-entendidos que muitas críticas supostamente endereçadas ao ateísmo são notáveis por sua completa irrelevância. Alguns críticos religiosos preferem atacar as ideias impopulares associadas ao ateísmo em vez de encarar o desafio do ateísmo diretamente. De fato, não é incomum encontrar livros inteiros com o intuito expresso de demolir o ateísmo, mas que falham em discutir questões básicas como por que alguém deveria acreditar em deus em absoluto. Estes livros contentam-se em identificar o ateísmo com personalidades específicas (como Nietzsche, Marx, Camus e Sartre) e, criticando as visões desses indivíduos, o autor religionista acredita ter destruído o ateísmo. Na maioria dos casos, entretanto, o crítico nem mesmo discutiu o ateísmo.
Apresentar o ponto de vista ateístico é uma tarefa difícil e frustrante. O ateu precisa penetrar a barreira do medo e da suspeita que o confronta, e precisa convencer o ouvinte de que o ateísmo não representa uma degeneração, mas um passo adiante. Isto frequentemente requer que o ateísta tome uma posição defensiva para explicar por que o ateísmo não conduz a consequências desastrosas. Espera-se que o ateu responda uma série de questões; as apresentadas a seguir são típicas.
Sem deus, o que resta da moral? Sem deus, qual propósito há na vida do homem? Se não acreditarmos num deus, como podermos ter certeza de qualquer coisa? Se deus não existe, a quem nos voltaremos num tempo de crise? Se não há outra vida, quem irá recompensar a virtude e punir a injustiça? Sem deus, como podemos resistir à investida do comunismo ateístico? Se deus não existe, o que resta do merecimento e da dignidade de cada pessoa? Sem deus, como o homem pode alcançar a felicidade?
Estas questões e outras similares refletem a íntima conexão entre a religião e os valores nas mentes de muitas pessoas. Como resultado, a questão da existência de deus torna-se mais do que um simples problema filosófico — e o ateísmo, visto que é interpretado como um ataque a estes valores, assume uma relevância muito além de seu real significado. As defesas da religião são frequentemente saturadas de furor emocional, e o ateu vê-se moralmente condenado, diagnosticado como um homem confuso e infeliz, e ameaçado com uma variedade de punições futuras. Enquanto isso, a frustração do ateísta aumenta ao passo que ele descobre que seus argumentos em prol do ateísmo são fúteis, que o crente médio — que foi persuadido a crer por razões emocionais, não intelectuais — é impenetrável a argumentos contra a existência de um ser sobrenatural, não importando quão meticulosos e cuidadosamente apresentados sejam estes argumentos. Há muito em jogo: se a escolha precisa ser feita entre o conforto da religião e a veracidade do ateísmo, muitas pessoas sacrificarão esta última sem hesitação. Na perspectiva deles, há muito mais a ser discutido a respeito da existência de Deus que simplesmente se ele existe ou não.
Isso deixa o ateu em que posição? Ele precisa oferecer o ateísmo como um modo de vida alternativo à religião, completo, com seu próprio conjunto de valores? O ateísmo é um substituto para a religião? O ateísmo pode satisfazer as necessidades morais e emocionais do homem? O indivíduo ateu deve defender-se contra toda acusação de imoralidade e pessimismo? O ateísmo oferece quaisquer valores positivos? Estas questões não são complexas quanto podem parecer. O ateísmo é uma posição clara, facilmente definível; é uma tarefa fácil delinear o que o ateísmo pode ou não realizar. A fim de compreender o escopo do ateísmo, entretanto, é necessário que removamos as paredes de mitos que o circundam — com a esperança de que os temores e os preconceitos contra o ateísmo também desmoronem. Para alcançar tal objetivo, precisamos determinar o que o ateísmo é e o que o ateísmo não é.
II
O Significado do Ateísmo
“Teísmo” é definido como a “crença em um deus ou deuses”. O termo “teísmo” às vezes é usado para designar a crença em um tipo particular deus — o deus pessoal do monoteísmo —, mas, como utilizado neste livro, “teísmo” significa a crença em qualquer deus ou número de deuses. O prefixo “a” significa “ausência”, então o termo “a-teísmo” literalmente significa “sem teísmo”, ou sem crença em um deus ou deuses. O ateísmo, portanto, é a ausência de crença teística. Quem não acredita na existência de um deus ou de um ser sobrenatural pode ser apropriadamente denominado um ateu.
O ateísmo às vezes é definido como “a crença de que nenhum tipo de Deus existe”, ou como a alegação de que um Deus não pode existir. Estas são categorias de ateísmo, elas não exprimem o significado do ateísmo — e são relativamente enganosas no que diz respeito à natureza básica do ateísmo. O ateísmo, em sua forma básica, não é uma crença, é a ausência de crença. Um ateu não é primariamente uma pessoa que acredita na inexistência de deus; em vez disso, ele não acredita na existência de deus.
Como aqui definido, o termo “ateísmo” tem um escopo mais abrangente do que os significados comumente atribuídos a ele. Os dois tipos mais comuns são descritos por Paul Edwards como se segue:
Em primeiro lugar, há o sentido mais familiar em que uma pessoa é uma ateísta. Se ele afirma que não há um Deus, toma-se como significado disto que “Deus existe” expressa uma proposição falsa. Em segundo lugar, há também outro sentido mais amplo em que uma pessoa é uma ateísta: se ela rejeita a crença em Deus, não importando se sua rejeição baseia-se na visão de que a crença em um Deus é falsa.
Ambos estes significados são importantes tipos de ateísmo, mas nenhum faz jus ao ateísmo em seu sentido mais abrangente. “Ateísmo” é um termo privativo, um termo negativo, indicando oposto de teísmo. Se usarmos a expressão “crença-em-deus” como um substituto para teísmo, veremos que sua negação é “sem-crença-em-deus” — ou, em outras palavras, “a-teísmo”. Este é simplesmente um outro modo de dizer “sem teísmo” ou ausência de crença em deus.
“Teísmo” e “ateísmo” são termos descritivos: eles especificam a presença ou a ausência de crença em deus. Se uma pessoa é designada como uma teísta, isto nos diz somente que ela acredita num deus, não por que acredita. Se uma pessoa é designada como uma ateísta, isto nos diz somente que ela não acredita num deus, não por que não acredita.
Há muitas razões pelas quais alguém pode não acreditar na existência de um deus; talvez nunca tenha encontrado o conceito de deus antes, ou considere a ideia de um ser sobrenatural absurda, ou pense que não há evidência para respaldar a crença num deus. A despeito de qual a razão, se alguém não acredita na existência de um deus, este alguém é um ateu — está ausente de crença teística.
Neste contexto, teísmo e ateísmo abarcam todas as possíveis alternativas em relação à crença em um deus: um indivíduo é um teísta ou um ateísta; não há outra escolha. Ou bem se aceita a proposição “deus existe” ou bem se não a aceita. Ou se acredita num ser sobrenatural ou não se acredita. Não há terceira opção ou meio-termo. Isto imediatamente levanta a questão do agnosticismo, o qual tem tradicionalmente sido oferecido como uma terceira alternativa para o teísmo e o ateísmo.
III
Agnosticismo
O termo “agnóstico” foi cunhado por Thomas Huxley em 1869. “Quando atingi a maturidade intelectual”, diz Huxley, “e comecei a perguntar a mim mesmo se era um ateu, um teísta ou um panteísta… Descobri que quanto mais aprendia e refletia, menos pronto estava para responder”. De acordo com Huxley, os expoentes destas doutrinas, apesar de suas óbvias diferentes, partilham uma assunção comum, uma assunção com a qual ele discorda:
Eles estavam bastante certos de que haviam alcançado uma certa “gnose” — de que tinham, de modo mais ou menos bem-sucedido, solucionado o problema da existência; enquanto eu tinha bastante certeza de que não tinha, e possuía uma convicção bastante forte de que o problema era insolúvel.
Quando Huxley ingressou na Sociedade Metafísica, descobriu que as várias crenças lá representadas tinham nomes: “a maioria de meus colegas eram istas de algum tipo ou outro”. Huxley, sem um nome para sua incerteza, estava “sem um trapo de rótulo para cobrir-se”. Ele era uma raposa sem uma cauda — então deu a si próprio uma cauda atribuindo-se o termo “agnóstico”. Parece que Huxley originalmente usou este termo de uma forma relativamente jocosa. Ele selecionou a seita religiosa primitiva conhecida como “Gnósticos” como um exemplo primo de homens que alegavam conhecimento do sobrenatural sem justificativas; e distinguiu-se como um “a-gnóstico” estipulando que o sobrenatural, mesmo se existir, jaz muito além do escopo do conhecimento humano. Não podemos dizer se existe ou não, então devemos suspender nosso julgamento.
Desde o tempo de Huxley, “agnosticismo” adquiriu um número de diferentes aplicações baseadas em sua derivação etimológica da negativa “a” e do radical grego gnosis (“saber”). Agnosticismo, como um termo genérico, atualmente significa a impossibilidade de conhecimento numa dada área. Um agnóstico é uma pessoa que acredita que algo é inerentemente incognoscível à mente humana. Quando aplicado à esfera da crença teística, um agnóstico é aquele que defende que algum aspecto do sobrenatural apresenta-se eternamente fechado ao conhecimento humano.
Apropriadamente considerado, o agnosticismo não é uma terceira alternativa ao teísmo e ateísmo porque concerne a um diferente aspecto da crença religiosa. Teísmo e ateísmo referem-se à presença ou ausência de crença num deus; agnosticismo refere-se à impossibilidade de conhecimento em relação a um deus ou ser sobrenatural.
O termo “agnóstico”, em si mesmo, não indica se alguém acredita ou não num deus. O agnosticismo pode ter tanto teístico quanto ateístico.
O agnóstico teísta acredita na existência de deus, mas defende que a natureza de deus é incognoscível. O filósofo medieval judeu, Maimonides, é um exemplo desta posição. Ele acreditava em deus, mas recusava-se a atribuir características positivas a este deus alegando que tais características introduziriam a pluralidade na natureza divina — um procedimento que iria, segundo acreditava Maimonides, conduzir ao politeísmo. De acordo com o religioso agnóstico, podemos dizer que deus é, entretanto — devido à incognoscibilidade da natureza sobrenatural — não podemos dizer o que deus é.
Assim como seu primo teístico, o agnóstico ateu defende que qualquer reino sobrenatural é inerentemente incognoscível à mente humana, mas este agnóstico suspense seu julgamento um passo antes. Para o agnóstico ateu, não apenas a natureza de qualquer ser sobrenatural é incognoscível, mas também a existência de qualquer ser sobrenatural. Não podemos ter o conhecimento do incognoscível; portanto, conclui este agnóstico, não podemos ter conhecimento da existência de deus. Devido a esta variedade de agnóstico não se submeter à crença teística, ele qualifica-se como um tipo de ateu.
Várias defesas foram oferecidas para esta posição, mas geralmente originando-se de um empirismo estrito; por exemplo, a doutrina de que o homem deve ganhar todo seu conhecimento inteiramente através de seus sentidos. Já que um ser sobrenatural jaz muito além do escopo da evidência sensorial, não podemos afirmar nem negar a existência de um deus; fazer qualquer um dos dois, de acordo com o agnóstico ateu, equivale a transgredir os limites do entendimento humano. Enquanto este agnóstico afirma a possibilidade teórica de uma existência sobrenatural, ele acredita que a questão deve permanecer, em última análise, incerta e indecisa. Deste modo, para o agnóstico ateu, a resposta apropriada à questão “Existe um Deus?” é “Eu não sei” — ou, mais especificamente, “Eu não posso saber”.
Se esta descrição representa a exata posição de Thomas Huxley — isto é algo que não está inteiramente claro. Às vezes, como vimos, ele parece indicar que a existência do sobrenatural, apesar de possível, é incognoscível. Noutro lugar, entretanto, ele escreve que “não se importa muito em considerar qualquer coisa como ‘incognoscível’”. E, sumarizando os fundamentos do agnosticismo, Huxley não se refere a qualquer coisa como incognoscível ou “insolúvel”.
…é errado para um homem dizer que ele está certo da verdade objetiva de qualquer proposição a não ser que possa produzir uma evidência que justifique logicamente sua certeza. É isso que o agnosticismo afirma; e, em minha opinião, essa é toda a essência do agnosticismo… a aplicação do princípio resulta na negação, ou suspensão do julgamento, de um número de proposições em relação às quais nossos “gnósticos” eclesiásticos contemporâneos professam certeza total.
Esta passagem sugere que, na opinião de Huxley, não há evidência suficiente para justificar a crença num deus, então dever-se-ia suspender o julgamento sobre o assunto. Discutindo se a existência de deus é incognoscível a princípio ou apenas atualmente desconhecida, ele escreve:
Do que eu tenho certa é que há muitos tópicos sobre os quais não sei coisa alguma; e que, tanto quanto posso perceber, estão fora do alcance de minhas faculdades. Mas, se essas coisas são cognoscíveis a qualquer outra pessoa, este é exatamente um daqueles assuntos que estão além de meu conhecimento, apesar de que eu possa ter uma opinião razoavelmente forte em relação às probabilidades do caso.
Huxley é relutante em defender a absoluta incognoscibilidade do sobrenatural, e deseja sustentar, em vez disso, que, tanto quanto ele sabe, o conhecimento do sobrenatural jaz além do poder das faculdades humanas. Não seria forçado demais dizer que, na visão de Huxley, a cognoscibilidade do sobrenatural é em si uma questão incognoscível.
Devido à ambiguidade da posição agnóstica tradicional, o termo “agnóstico” tem sido empregado numa variedade de modos. É comumente usada para designar alguém que se recusa a afirmar ou negar a existência de um deus, e devido ao ateísmo estar frequentemente associado à categórica negação do teísmo, o agnosticismo é oferecido como uma terceira alternativa. Aqui está uma típica explicação, encontrada na Enciclopédia Católica:
Um agnóstico não é um ateu. Um ateu nega existência de Deus; um agnóstico professa a ignorância sobre Sua existência. Para este último, Deus pode existir, mas a razão não pode comprová-lo nem contestá-lo.
Perceba que o agnosticismo emerge como uma terceira alternativa apenas se o ateísmo for estreitamente definido como a negação do teísmo. Nós vimos, entretanto, que o ateísmo, em seu sentido mais amplo, refere-se basicamente à ausência de crença em deus, não necessariamente à negação de deus. Qualquer pessoa que não acredita em deus, por qualquer motivo, carece de crença teística e, portanto, qualifica-se como uma ateísta.
Enquanto o agnóstico da variedade Huxley pode se negar a afirmar se o teísmo é verdadeiro ou falso — “suspendendo”, assim, seu julgamento —, ele não acredita na existência de um deus (se acreditasse, seria um teísta). Já que este agnóstico não aceita a existência de um deus como verdadeira, ele está ausente de crença teística, ele é ateístico — e o agnosticismo de Huxley emerge como uma forma de ateísmo.
Assim, como previamente indicado, agnosticismo não é uma posição independente ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo, pois classifica de acordo com um critério diferente. Teísmo e ateísmo separam aqueles que acreditam num deus daqueles que não acreditam. O agnosticismo separa aqueles que acreditam que a razão não pode penetrar o reino do sobrenatural daqueles que defendem a capacidade da razão de afirmar ou negar a veracidade da crença teística.
O agnóstico teísta encontra oposição não apenas dos ateus, mas também dos outros teístas que creem que a natureza de deus pode ser conhecida (pelo menos até certo grau) pela mente humana. Igualmente, o agnóstico ateu encontra oposição dos outros ateus, que se recusam a aceitar a possibilidade teórica da existência sobrenatural, ou que argumentam que a razão pode eficientemente demonstrar a falsidade ou a incoerência do teísmo.
As posições agnósticas foram duramente criticadas pelos crentes e descrentes; iremos examinar as objeções ao agnosticismo posteriormente. Nosso objetivo aqui é elucidar a relação do agnosticismo com o teísmo e o ateísmo para que se possa evitar mal-entendidos futuros. O agnosticismo é comumente usado como um refúgio àqueles que desejam escapar do estigma do ateísmo, e sua vagueza ganhou um status de uma forma intelectualmente respeitável de dissidência religiosa. Em muitos casos, entretanto, o termo “agnóstico” é mal utilizado.
O agnosticismo é uma posição filosófica legítima (apesar de que, em minha opinião, está equivocada), mas não é uma terceira alternativa ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo. Em vez disso, é uma variante ou do teísmo ou do ateísmo. O autoproclamado agnóstico ainda precisa especificar se acredita ou não num deus — e, ao fazê-lo, compromete-se com o teísmo ou compromete-se com o ateísmo. Mas compromete-se a si próprio. O agnosticismo não é a escapatória que comumente se pensa ser.
IV
As Variedades de Ateísmo
O termo “ateísmo” tem sido utilizado até aqui para cobrir todo caso de descrença em deus ou deuses. Analisaremos agora sucintamente as várias manifestações do ateísmo.
O ateísmo pode ser dividido em duas grandes categorias: implícito e explícito. (a) Ateísmo implícito é a ausência de crença teística sem uma rejeição consciente desta; (b) Ateísmo explícito é a ausência de crença teística devido à consciente rejeição desta.
(a) Um ateu implícito é uma pessoa que não acredita em um deus, mas que não rejeitou ou negou explicitamente a veracidade do teísmo. Ateísmo implícito não pressupõe familiaridade com a ideia de um deus.
Por exemplo, uma pessoa que não possui conhecimento sobre a crença teística não acredita num deus, mas também não nega a existência de tal ser. A negação pressupõe algo para ser negado, e ninguém pode negar a veracidade do teísmo sem antes saber o que é o teísmo. O homem não nasce com o conhecimento inato do sobrenatural; até que lhe seja apresentada a ideia ou ele próprio a conceba, ele é incapaz de afirmar ou negar sua veracidade — ou mesmo “suspender” seu julgamento.
Esta pessoa representa um problema para as classificações tradicionais. Ela não acredita em um deus, então não é uma teísta. Ela não rejeita a existência de um deus, então, de acordo com a acepção em que comumente o ateísmo é utilizado, ela não é uma ateísta. Esta pessoa também não afirma que a existência do sobrenatural é desconhecida ou incognoscível, então não é uma agnóstica. A falha das classificações tradicionais em incluir esta possibilidade indica sua falta de compreensão.
Como definido neste capítulo, um homem alheio ao teísmo é um ateu porque não acredita em um deus. Esta categoria também incluiria a criança com capacidade conceitual de compreender as questões envolvidas, mas que ainda está alheia a elas. O fato de esta criança não acreditar num deus faz dela uma ateísta. Já que esses casos de descrença não são o resultado de uma rejeição consciente, são mais bem designadas como sendo um ateísmo implícito.
Neste ponto, objeções podem ser levantadas em protesto contra o uso da palavra “ateísmo” para abarcar o caso da criança desinformada. Alguns religionistas sem dúvida dirão que esta vitória barata do ateísmo foi conseguida através de definições arbitrárias. Em resposta a isto, precisamos notar que a definição de ateísmo como sendo a ausência da crença em deus ou deuses não é arbitrária. Apesar de este significado ser mais amplo do que o comumente aceito, ele tem sua justificativa no significado do termo “teísmo” e no prefixo “a”. Também, como dito anteriormente, esta definição de ateísmo tem a virtude de representar a antítese do teísmo, e deste modo “teísmo” e “ateísmo” abarcam todas as possibilidades de crença e descrença.
Olhando de perto, é provável que as objeções a se chamar a criança desinformada de ateísta surgirão da assunção de que ateísmo implica algum grau de degradação moral. Como ousam chamar crianças inocentes de ateístas! Certamente é injusto degradá-las desta maneira.
Se o religionista está incomodado pelas implicações morais de se denominar uma criança desinformada de ateísta, o problema está nestas implicações morais, não na definição de ateísmo. Reconhecer esta criança como uma ateísta é um passo importantíssimo para remover o estigma moral vinculado ao ateísmo, pois força o teísta ou a abandonar seus estereótipos do ateísmo ou a estendê-los até o absurdo patente. Se ele recusar-se a descartar seus mitos favoritos, se ele continuar a condenar os descrentes como imorais per se, a lógica exige que ele condene a criança inocente também. E, a não ser que esse teísta seja um ardoroso seguidor de Calvino, ele perceberá o que esta impetuosa reprovação moral do ateísmo realmente representa: irracionalidade.
A categoria de ateísmo implícito também se aplica à pessoa familiarizada com as crenças teísticas e que não as consente, mas que não rejeitou explicitamente a crença num deus. Recusando comprometer-se, a pessoa pode ser indecisa ou indiferente, mas permanece o fato que ela não acredita em um deus. Logo, esta pessoa também é uma ateísta implícita.
O ateísmo implícito é convenientemente ignorado por aqueles teístas que representam o ateísmo como uma crença positiva em vez da ausência de crença. Apesar de isso parecer uma distinção sutil, ela tem importantes consequências.
Se alguém apresenta uma crença positiva (por exemplo, uma afirmação que alguém alega ser verdadeira), este alguém tem a obrigação de apresentar evidências em seu favor. O ônus da prova recai sobre a pessoa que afirma a veracidade de uma proposição. Se a evidência não é contundente, se não há motivos suficientes para se aceitar a proposição, ela não deve ser acreditada. O teísta que afirma a existência de um deus assume a responsabilidade de demonstrar a veracidade desta asserção; se ele falhar nesta tarefa, o teísmo não deve ser aceito como verdadeiro.
Alguns crentes tentam escapar da responsabilidade de prover evidências invertendo a responsabilidade ao ateísmo. O ateísmo, que é representado como uma crença rival ao teísmo, claramente não pode demonstrar a inexistência de um deus, então se alega que o ateísta não é melhor que o teísta. Este também é o argumento favorito do agnóstico, que alega rejeitar o ateísmo e o teísmo afirmando que nenhuma das posições pode apresentar demonstrações.
Quando o ateísmo é reconhecido como a ausência de teísmo, a manobra precedente cai por terra. O ônus da prova aplica-se somente a casos de crença positiva. Para exigir uma prova do ateu, o religionista deve representar o ateísmo como uma crença positiva que requer comprovação. Quando o ateu é visto como uma pessoa que carece de crença em um deus, torna-se claro que ele não está obrigado a “provar” coisa alguma. Um ateu enquanto ateu não acredita em nada que requer demonstração; a designação de “ateísta” não nos diz no que ele acredita, mas no que ele não acredita. Se outros desejam que ele aceite a existência de um deus, é responsabilidade deles argumentar em prol do teísmo — mas o ateu não necessita argumentar de modo similar em prol do ateísmo.
É crucial distinguir entre o ateísmo enquanto tal e as muitas crenças que um ateu pode defender. Todos os ateus de fato adotam algumas crenças positivas, mas o conceito de ateísmo não abarca tais crenças. O ateísmo refere-se apenas ao elemento da descrença em deus, e já que não há conteúdo nisso, já que não há nenhuma crença positiva, a exigência de comprovação não se aplica.
O ateísmo não é necessariamente o produto final de uma cadeia de raciocínio. O termo “ateísta” diz apenas que este alguém não acredita em deus, mas não especifica por que motivo. Independentemente da causa da descrença, se alguém não acredita em um deus, este alguém é um ateu.
O teísmo precisa ser aprendido e aceito. Se nunca for aprendido, não poderá ser aceito — e o indivíduo permanecerá implicitamente um ateu. Se o teísmo é aprendido, mas mesmo assim rejeitado, o indivíduo será um ateu explícito — o que nos conduz ao segundo tipo de ateísmo.
(b) Um ateu explícito é aquele que rejeita a crença em um deus. Esta rejeição deliberada do teísmo pressupõe familiaridade com as crenças teísticas e às vezes é caracterizada como um antiteísmo.
Há várias motivações para o ateísmo explícito, algumas são racionais e algumas não. O ateísmo explícito pode ser motivado por fatores psicológicos. Um homem pode não acreditar em deus porque odeia seus pais religiosos ou porque sua esposa trocou-o pelo pregador da vizinhança. Ou, num nível mais sofisticado, alguém pode achar que a vida é fútil e desamparada, e que não há espaço emocional para deus num universo trágico. Motivações como essas podem ser de interesse psicológico, mas são filosoficamente irrelevantes. Elas não são justificativas racionais para o ateísmo, e não vamos levá-las em consideração aqui.
A mais significante variedade de ateísmo é o ateísmo explícito de natureza filosófica. Este ateísmo defende que a crença em deus é irracional e, portanto, deve ser rejeitada. Já que esta versão do ateísmo explícito baseia-se na crítica das crenças teísticas, ele é mais bem descrito como ateísmo crítico.
O ateísmo crítico apresenta-se de várias formas. Ele é frequentemente expressado pela frase “Eu não acredito na existência de um deus ou ser sobrenatural”. Esta profissão da descrença frequentemente deriva-se do malogro do teísmo em prover evidência suficiente em seu próprio favor. Em face à ausência de evidência, este ateu explícito não vê motivos para acreditar em qualquer ser sobrenatural.
O ateísmo crítico também assume formas mais fortes, como “Deus não existe” ou “A existência de deus é impossível”. Estas afirmações geralmente são feitas após um conceito específico de deus, como o Deus do cristianismo, ter sido julgado absurdo ou contraditório. Assim como somos forçados a dizer que uma “esfera quadrada” não existe e não pode existir, assim somos levados a admitir que, se o conceito de deus entrar em contradição, ele não existe e não pode existir.
Finalmente, há o ateu crítico que se nega a discutir a existência ou inexistência de um deus porque acredita que o conceito de “deus” é ininteligível. Não podemos, por exemplo, discutir racionalmente a existência de um “unie” até que saibamos o que é um “unie”. Se nenhuma descrição inteligível é apresentada, a discussão precisa interromper-se. Analogamente, se nenhuma descrição inteligível de “deus” é apresentada, a discussão precisa interromper-se. Este ateu crítico, deste modo, diz: “A palavra ‘deus’ não faz sentido para mim, então eu não tenho ideia do que significa dizer que ‘deus’ existe ou não existe”.
Estas variedades de ateísmo crítico são idênticas num aspecto importante: possuem caráter essencialmente negativo. O ateu, enquanto ateu, tanto implícito quanto explícito, não afirma a existência de qualquer coisa; não faz qualquer afirmação positiva. Se a ausência de crença é um resultado do desconhecimento, esta descrença é implícita. Se a ausência de crença é o resultado de uma deliberação crítica, esta descrença é explícita. Em ambos os casos, a ausência de crença teística é a essência do ateísmo. Várias posições ateísticas diferem somente no que diz respeito às diferentes causas da descrença.
Este livro foi escrito na perspectiva do ateísmo crítico. Sua tese básica é que a crença em deus é inteiramente infundada — e, mais adiante, que há muitas razões para não se acreditar num deus. Se o teísmo é destruído intelectualmente, os motivos para se acreditar em deus desmoronam, e assim se é racionalmente forçado a não acreditar em um deus — ou, noutras palavras, se é obrigado a ser ateu.
Este livro não é uma crítica do teísmo e uma defesa do ateísmo: a crítica do teísmo é a defesa do ateísmo. O ateísmo não é a ausência de crença em deus e mais certas crenças positivas: ateísmo é somente a ausência de crença em deus. Se pudermos demonstrar que o teísmo é infundado, falso ou ilógico, então, simultaneamente, estabelecemos a validade do ateísmo. Esta é a razão pela qual o caso do ateísmo é O Caso Contra Deus.
V
Jacques Maritain e a Difamação do Ateísmo
As divisões precedentes do ateísmo são simples e imparciais. Eles não prejudicam o caso contra ou a favor do ateísmo sugerindo implicações morais. Similarmente, poderíamos também listar as variedades de teísmo, como monoteísmo e politeísmo, sem sugerir quaisquer consequências morais. Infelizmente, quando se está discutindo uma posição que alguém desaprova radicalmente, o espírito da objetividade é, não raro, sacrificado pelo preconceito e pelo emocionalismo. Isto não é mais evidente em qualquer lugar senão nos escritos de Jacques Maritain, um proeminente filósofo católico.
Em The Range of Reason [O Alcance da Razão], Maritain devota mais de uma dúzia de páginas às variedades de ateísmo, e já que suas classificações são largamente utilizadas por outras fontes cristãs (como a Enciclopédia Católica), é instrutivo analisar sua abordagem. Maritain tipifica o tratamento injusto que o ateísmo tem recebido nas mãos dos teólogos e dos filósofos religiosos. Apesar de que, presumivelmente, Maritain pretende que suas classificações sejam justas e imparciais, elas transparecem sua aversão pessoal pelo ateísmo. Sob o pretexto da categorização, Maritain joga suas cartas contra o ateísmo atribuindo a ele um status moral e psicológico inferior.
Considere-se o caso do que Maritain denomina “ateísmo prático”. Ateus práticos “acreditam que eles acreditam em Deus (e… talvez acreditem Nele em seus cérebros) mas… em verdade negam Sua existência através de cada um de seus feitos”.
Dizer que homens acreditam “em seus cérebros” é um modo confuso de admitir que eles, de fato, aceitam a existência de um ser sobrenatural. Por qualquer concepção racional de teísmo, tais pessoas são teístas, pura e simplesmente. Eles podem ser teístas hipócritas, que talvez professem ser cristãos enquanto ignoram a moral cristã — mas se esses homens de fato acreditarem em deus “em seus cérebros” (significando: como uma questão intelectual), então eles são teístas, independentemente de sua conduta ou crenças morais.
Mas a ideia de um cristão hipócrita ofende as sensibilidades de Maritain. A crença em deus é moralmente boa, e o teísta que não alcança certos padrões morais, de um certo modo, não acredita verdadeiramente em deus. Como se alguém se tornasse ateu através de suas ações, Maritain apresenta a simples resposta de que, se alguém é suficientemente imoral e hipócrita, este alguém merece ser chamado de ateu. Com a desculpa de estar classificando, Maritain purifica o teísmo, empurrando os indesejáveis ao campo ateístico, no qual ele não encontra dificuldade em aceitar seu comportamento inadequado. Afinal, que mais se pode esperar de um homem ímpio?
Pelo motivo da imoralidade, hipocrisia e possivelmente outros traços repugnantes, Maritain rotula o condenado como um ateu — um “ateu prático”, mas um ateu de qualquer modo. Ateísmo prático, como definido por Maritain, é o lixo conceitual para os rejeitos teísticos; na realidade, isso é um capricho pessoal elevado ao status de categoria filosófica. Se divergência também é incompatível com teísmo, então o próprio Maritain qualifica-se como um “ateu prático”.
Outra forma principal de ateísmo, de acordo com Maritain, é o “ateísmo absoluto”. Ateus absolutos “de fato negam a existência do próprio Deus no Qual os crentes acreditam e… são levados a mudar inteiramente sua própria escala de valores e destruir neles próprios tudo que conota Seu nome”.
Já podemos presumir que o ateísmo absoluto, como o ateísmo prático, irá envolver distinções morais. O ateu absoluto muda seus próprios valores e busca destruir tudo que o faz lembrar de deus. O que nos faz lembrar de deus? Se tomarmos as palavras de Maritain, deus está associado com tudo de bom e decente — nada surpreendente que isto nos conduz à conclusão de que o ateu absoluto está travando uma guerra contra a bondade. Maritain, deste modo, conclui que “o ateísmo absoluto de modo algum é a mera ausência de crença em Deus. Em vez disso é a recusa de Deus, a luta contra Deus, um desafio a Deus. E, quanto ele alcança sua vitória, acarreta mudanças no homem em seu próprio comportamento íntimo, dá ao homem uma espécie de solidez insensível, como se o espírito tivesse sido recheado de matéria morta e seus tecidos orgânicos transformados em pedra”.
Os ateísmos “prático” e “absoluto” são considerados por Maritain como categorias compreensíveis (uma terceira — “pseudo-ateísmo” — é dispensada como irrelevante), e assim o ateu previdente tem a escolha de classificar-se como hipócrita ou como alguém constantemente engajado numa destruição de valores, enchendo-se assim de “substância morta”. Isso não chega a ser uma alternativa atraente, muito menos precisa, mas proporciona a Maritain um veículo para destruir o ateísmo sem preocupar-se com questões tão mundanas como precisão, respeito intelectual e argumentos racionais.
Maritain distorce a posição ateística com notável facilidade e audácia e, ao fazê-lo, perpetua muitos dos mitos irracionais sobre o ateísmo. Para aqueles que acreditam que apenas os incultos e ignorantes caluniam o ateísmo, J. Maritain e seus seguidores representam uma instrutiva evidência do contrário.
VI
O que o Ateísmo não é
Muitos mitos do ateísmo, como aqueles apresentados por Maritain, dependem de se atribuir ao ateísmo características que não lhe pertencem. Por causa disso, torna-se essencial identificar o que o ateísmo não é.
(a) Comumente se acredita que o ateísmo “envolve o que se denomina cosmovisão, uma visão completa da vida”. Um religionista nos diz que o ateísmo “não pode contentar-se apenas em ser a simples negação dos dogmas religiosos; precisa elaborar sua própria concepção da vida humana e tornar-se uma realidade positiva”.
Quando o ateísmo é representado pelos teístas como um estilo de vida, este é invariavelmente caricaturado como malévolo ou indesejável. Contrariamente, quando é representado pelos ateístas como um modo de vida, é caricaturado como benéfico em vez de daninho. Joseph Lewis, um proeminente ateu da tradição livre-pensadora americana, escreve que o ateísmo “equipa-nos para encarar a vida, com sua multidão de experiências e tribulações, melhor que qualquer outro código de vida que eu tenha sido capaz de encontrar”. Na opinião de Lewis, “Ateísmo é uma filosofia corajosa e vigorosa”.
Ver o ateísmo como um estilo de vida, seja benévolo ou malévolo, é um mal-entendido. Assim como a ausência de crença em elfos mágicos não acarreta um código de vida ou um conjunto de princípios, analogamente a descrença em deus não implica qualquer sistema filosófico específico. Do simples fato de que uma pessoa é uma ateísta não se pode inferir que esta pessoa irá adotar qualquer crença positiva em particular. As convicções positivas são um assunto totalmente distinto do ateísmo. Enquanto alguém pode partir de uma posição filosófica básica e inferir o ateísmo como consequência dela, este processo não pode ser revertido. Não se pode passar do ateísmo para uma crença filosófica básica, pois o ateísmo pode ser (e tem sido) incorporado dentro de muitos e incompatíveis sistema filosóficos.
(b) O rótulo de “ateu” anuncia desacordo de alguém com o teísmo. Não anuncia o “acordo com” ou a “aprovação de” outros ateus.
A prática de se vincular o ateísmo com um conjunto de crenças, especialmente crenças morais e políticas, permite ao teísta agrupar os ateus todos sob uma bandeira comum, com a implicação de que um ateu concorda com a crença de outro ateu. E aqui temos a sempre popular “culpa por associação”. Já que os comunistas são notoriamente ateísticos, alguns teístas argumentam, deve haver alguma conexão entre o ateísmo e o comunismo. A implicação aqui é que o comunismo de alguma forma é uma consequência lógica do ateísmo, assim o ateu precisa defender-se contra a acusação latente de comunismo.
Esta prática irracional e grosseiramente injusta de se vincular o ateísmo com o comunismo está perdendo popularidade e raramente é encontrada em absoluto, senão entre políticos conservadores. Mas a mesma técnica básica às vezes é usada pelo filósofo religioso para tentar desacreditar o ateísmo. Em vez de comunismo, o sofisticado teólogo irá associar o ateísmo com o existencialismo — que projeta uma visão pessimista da existência — e então chegará à conclusão de que o ateísmo conduz a uma visão pessimista do Universo. Parece que a segunda melhor coisa para convencer pessoas a não serem ateístas é assustá-las com ele.
Apesar de que alguns ateus são comunistas e alguns são existencialistas, isso não nos diz nada sobre o ateísmo ou outros ateus. É provável que o cristão, como o ateu, não acredita na existência de elfos mágicos — mas isso não implica uma significante área de concordância entre os dois. Sucede o mesmo com o ateísmo.
Assim como um teísta pode discordar de outro teísta em questões importantes, igualmente um ateu pode discordar de outro em questões importantes. Um ateu pode ser um capitalista ou um comunista, um objetivista ou subjetivista ético, um produtor ou um parasita, um homem honesto ou um ladrão, um indivíduo psicologicamente saudável ou um neurótico. A única coisa incompatível com o ateísmo é o teísmo.
(c) Ao discutir ateísmo, muitos religionistas adotam a seguinte estratégia de ação: se tudo o mais falhar, psicologize. Se não conseguir vencer o ateu no campo das ideias, torne-se seu terapeuta: simpatize-se com ele, informe-lhe de seus problemas psicológicos enterrados que o levam a rejeitar deus. E, acima de tudo, assegure-o de que a plenitude e a felicidade aguardam-no na igreja da vizinhança.
Um filósofo fala do “desejo natural por Deus” que, se não for saciado, “conduz à absoluta frustração”. Outro filósofo afirma que, se os homens decidirem não acreditar em um deus, “tanto quanto forem inteligentes, serão entristecidos pela sua decisão”, pois um mundo sem deus “seria notavelmente escasso em alegria”. Fulton Sheen nos diz que a felicidade “é a ascensão do que é inferior em nós ao que é superior, do nosso egotismo ao nosso Deus”. Um teólogo chegou a afirmar que a frase “o homem sem deus” envolve uma contradição.
São João Crisóstomo estava simplesmente afirmando a verdade central desta tradição em seu famoso dito: “Ser homem é temer a Deus”… Deus, que é o Autor da natureza, é integral à natureza do homem. Logo, o homem que não teme a Deus de algum modo não existe, e sua natureza de algum modo não é humana. Em contrapartida, aí está ele. Eis o problema.
Ser um ateu é repentinamente ser menos que um humano — ser um enigma, um paradoxo ambulante, um problema psicológico. Como coloca um teísta, “A descrença á uma interrupção no desenvolvimento”. A saúde mental, afirma um psicólogo, “exige um bom relacionamento interpessoal consigo mesmo, com os outros e com Deus” — o que, observa Thomas Szasz, “claramente coloca todos ateus na classe dos mentalmente doentes”.
Essas afirmações merecem poucos comentários, mas é interessante notar o intimidante padrão utilizado para avaliar a relação entre o ateísmo e a felicidade. Se o ateu é infeliz, isso é atribuído à sua descrença. Vinculando a felicidade com a íntima conexão com deus, o “ateu feliz” é definido como fora da existência.
O padrão comum para se vincular deus e felicidade é como se segue: todo ser humano naturalmente deseja o bem, o objeto da felicidade. Deus é a bondade última e autossuficiente. Portanto, toda pessoa naturalmente deseja deus como um corolário de sua natureza como ser humano. A felicidade divorciada de deus é uma contradição em termos.
A partir desta dúbia linha de pensamento, temos a posterior conclusão de que o ateu está lutando com frustrantes conflitos internos. Ele deseja a felicidade mas, ao negar deus, nega a felicidade a si próprio. O ateu de alguma forma está travando uma guerra contra si próprio, contra sua própria natureza — e isto o torna neurótico, se não esquizofrênico.
Esta psicologia teológica é o freudismo invertido. Enquanto religionistas têm sido incomodados pelas tentativas dos psicólogos para reduzir o teísmo a motivações neuróticas, esses teístas não hesitam em empregar a mesma técnica em sua vantagem contra os ateus. Quando o teísta anuncia sua crença num ser sobrenatural, ele normalmente compreendido por suas palavras. Quanto o ateu anuncia sua descrença em deus, entretanto, ele é frequentemente confrontado com: “Oh, não verdadeiramente!” Ou: “É uma pena que você seja tão infeliz”. Ou: “Espero que sua atitude negativa em relação à vida mude”.
O ateu também encontra sua descrença analisada com relação à sua idade. Se o ateu é jovem, sua descrença é atribuída à sua rebeldia e imaturidade — uma “fase” que com alguma sorte passará. Se o ateu é um homem de meia-idade, sua descrença é vinculada à frustração da rotina diária, ao amargor do malogro ou à alienação de si próprio e seu semelhante. Se o ateu é idoso, a explicação está na desilusão, no cinismo e na solidão que às vezes acompanham os últimos anos.
Contrariamente ao que muitos teístas gostam de acreditar, ateísmo não é uma forma de rebelião neurótica ou doença mental. O religionistas não pode livrar o mundo dos ateus confinando-os num asilo isolado onde podem ser ignorados. Rotular o ateísmo como um problema psicológico é uma febril e quase risível tentativa de evadir as questões fundamentais da verdade e falsidade. O teísmo é verdadeiro? Que motivos temos para acreditar em um Deus? Essas são perguntas importantes, e essas são as perguntas que o teísta deve fazer a si próprio se deseja confrontar o desafio do ateísmo.
Ademais, há uma grosseira desonestidade envolvida em se oferecer a felicidade como um motivo para se acreditar num deus. Os teístas que apelam à felicidade como uma recompensa para a crença demonstram uma chocante desconsideração à intelectualidade e à busca pela verdade. Mesmo se o teísmo conduzisse à felicidade (o que ele não faz), isso não demonstraria sua veracidade. A psicologização do ateísmo, deste modo, é irrelevante à questão do teísmo versus ateísmo. O teísta que tenta derrotar o ateísmo subordinando a verdade ao emocionalismo não consegue coisa alguma, senão revelar seu desprezo pela capacidade de pensamento humana.
VII
A Significância do Ateísmo
Poder-se-ia objetar que reduzimos o ateísmo a uma trivialidade. Não é uma crença positiva e não oferece quaisquer princípios construtivos, então que valor possui? Se o ateísmo pode ser comparado em não se acreditar em elfos mágicos, então por que é importante? Por que devotar um livro inteiro a um assunto trivial?
O ateísmo é importante porque o teísmo é importante. O assunto de deus não é uma questão remota e abstrata com pouca influência sobre a vida dos homens. Pelo contrário, é a essência da religião Ocidental — especificamente, da tradição judaico-cristã —, que inclui um sistema de doutrinas que lida com todos ramos principais da filosofia.
Se alguém acredita, como eu acredito, que o teísmo não é apenas falso, mas também pernicioso ao homem, então a escolha entre teísmo e ateísmo assume uma grande importância. Se considerado puramente como uma ideia abstrata, o teísmo pode ser dispensado sem discussões prolongadas. Mas, quando considerado dentro do contexto apropriado — dentro do vigamento de sua significância história, cultural, filosófica e psicológica —, a questão de deus está entre os assuntos mais cruciais de nosso tempo.
Se, milhares de anos atrás, um culto de adoradores de elfos tivesse originado um conjunto de doutrinas, uma religião, baseada em sua crença nos elfos — e se essas doutrinas fossem responsáveis por extensos danos —, então este livro talvez pudesse ser intitulado O Caso Contra os Elfos. Historicamente, entretanto, deus foi mais atraente que os elfos, então em vez disso estamos discutindo O Caso Contra Deus.
Apesar de o ateísmo possuir caráter negativo, ele não precisa ser destrutivo. Quando usado para erradicar a superstição e seus efeitos nocivos, o ateísmo é uma perspectiva benevolente e construtiva. Ele purifica o ar, deixando a porta aberta para os princípios positivos e filosofias que se baseiam não no sobrenatural, mas na capacidade do homem de pensar e compreender.
A religião teve o desastroso efeito de colocar conceitos de importância vital — como a moral, a felicidade e o amor — num reino sobrenatural inacessível à mente e ao conhecimento humanos. A moral e a religião tornaram-se tão entrelaçadas que muitas pessoas não podem conceber uma ética divorciada de deus, mesmo em princípio — o que conduz à assunção de que o ateísta veio para destruir valores.
O ateísmo, entretanto, não é a destruição da moral; é a destruição da moral sobrenatural. Similarmente, o ateísmo não é a destruição da felicidade e do amor; é a destruição da ideia de que a felicidade e o amor podem ser alcançados apenas em outro mundo. O ateísmo traz estas ideias de volta à Terra, ao alcance da mente humana. O que ele faz com elas após este ponto é uma questão de escolha. Se ele descartá-las em favor do pessimismo e do niilismo, a responsabilidade está com ele, não com ateísmo.
Suprimindo qualquer possível apelo ao sobrenatural — o que, em termos de conhecimento humano, significa o incognoscível —, o ateísmo exige que questões sejam discutidas através da razão e do entendimento humano; elas não podem ser empurradas para um deus misterioso.
Se o ateísmo está correto, o homem está sozinho. Não há deus para pensar por ele, para olhar por ele, para garantir sua felicidade. Essas são responsabilidades somente do homem. Se o homem deseja conhecimento, deseja pensar por si próprio. Se o homem deseja sucesso, precisa trabalhar. Se o homem deseja felicidade, deve esforçar-se para alcançá-la. Alguns homens consideram um mundo sem deus uma visão aterrorizante; outros veem como um desafio revigorante e divertido. Como uma pessoa irá reagir ao ateísmo depende apenas dela própria — e o grau em que está disposta a assumir a responsabilidade por suas próprias escolhas e ações.
VIII
O Teísmo na Defesa
A tarefa de desmitificar o ateísmo agora está suficientemente completa, e chegou a hora de se colocar o ônus da defesa no lugar apropriado: sobre o teísta. Não estaremos mais preocupados em resgatar o ateísmo da neblina de mal-entendidos inventados pelos religiosos para obscurecer as questões fundamentais. O ateu não é obrigado a responder afirmações arbitrárias, assunções sem comprovação e generalizações grosseiras relacionadas à natureza e às consequências da posição ateística. O ateísmo é a ausência da crença em um deus, nada mais. Se o teísta deseja derivar implicações monumentais desta ausência de crença, deve argumentar em favor de suas alegações.
Sem o recurso da depreciação do ateísmo através da mitologia e da calúnia, o teísta é privado de suas maiores ferramentas evasivas. Agora ele é levado a encarar os fatos, a apresentar suas crenças de modo inteligível e argumentar pela veracidade destas. É o ateu que exige a prova do teísta, não o oposto.
Antes de proceder, é necessário oferecer algumas observações preliminares concernentes à natureza de nossa investigação. O conflito entre teísmo e ateísmo centra-se na existência ou inexistência de um deus. A questão envolve duas grandes ramificações da investigação filosófica: metafísica e epistemologia.
A metafísica é o estudo da realidade, da existência como tal — em contraste com os estudos especializados da existência, como a física (matéria inanimada) e a biologia (entidades viventes). A metafísica lida com conceitos como matéria, consciência e causalidade.
A epistemologia é o “estudo ou a teoria da origem, natureza, métodos e limites do conhecimento”. A epistemologia lida com conceitos como veracidade, falsidade, certeza e erro.
Teremos frequentemente ensejo para fazer referências às implicações metafísicas e epistemológicas da crença teística, então pede-se que o leitor mantenha estas categorias em mente. “O que existe?” é uma questão da metafísica. “Como alguém o conhece?” é uma questão da epistemologia.
Ao longo da maior parte deste livro estaremos preocupados com uma questão, e uma questão apenas: O teísmo deve ser aceito como verdadeiro? Em última análise, esta é a única questão importante. Após responder esta questão, iremos explorar as implicações éticas e psicológicas da crença religiosa, mas essas áreas são secundárias à questão básica da veracidade.
O teísmo agora está na defesa; ele pode apenas destruir o ateísmo através da defesa da crença em um deus. Se sua defesa falhar, o teísmo falha — e o ateísmo emerge como a única alternativa racional.
autor: George H. Smith
tradução: André Díspore Cancian
fonte: Atheism: The Case Against God
.
http://ateus.net/artigos/ateismo/o-escopo-do-ateismo/
Os Mitos do Ateísmo
“Diz o néscio no seu coração: Não há Deus. Os homens têm-se corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras; não há quem faça o bem” Salmos 14:1
Esta passagem frequentemente citada captura a essência de como o indivíduo religioso médio vê o ateísmo. O ateísmo provavelmente é a posição filosófica mais impopular — e mais incompreendida — na América atual. É comumente vista com medo e desconfiança, como se fosse uma doutrina que advoga uma grande variedade de perversões — desde a imoralidade, o pessimismo e o comunismo até o niilismo total.
O ateísmo é comumente considerado uma ameaça aos indivíduos e à sociedade. É “a ciência divorciada da sabedoria e do temor a Deus”, escreve um filósofo, “à qual o mundo tem de agradecer diretamente pelas piores malignidades da ‘guerra moderna’…”. Numa crítica recente, Vincent P. Miceli alega que “toda forma de ateísmo, mesmo o inicialmente bem-intencionado, constringe, encolhe, escraviza o indivíduo ateu dentro e contra si próprio e, eventualmente, quando o ateísmo toma proporções epidêmicas entre os homens, desemboca na escravização e no assassinato da sociedade”.
Com similares representações do ateísmo como um mal, uma força destrutiva, religionistas através da história têm prescrito várias formas de punição aos ateus. Platão, em sua construção do estado ideal, fez da “impiedade” um crime que deveria ser punido através de cinco anos de encarceramento na primeira ofensa e através da morte no segundo convício. Jesus, que é oferecido como o paradigma do amor e da compaixão, disse que os descrentes serão lançados na “na fornalha de fogo” onde “haverá choro e ranger de dentes”, do mesmo modo que “o joio é colhido e queimado no fogo” (Cf. Mateus 13:40-42). Tomás de Aquino, o grande teólogo medieval, ensinou que “o pecado da descrença é maior que qualquer outro pecado que ocorre na da perversão da moral”, e recomendou que o herege “fosse exterminado do mundo através da morte” após a terceira ofensa.
Apesar de os ateus atualmente desfrutarem de uma quantidade comparável de liberdade nos Estados Unidos, a luta pelos direitos legais dos ateus tem sido uma batalha difícil e contínua. Por exemplo, até o início deste século muitos estados não permitiam que um ateu testemunhasse em corte, o que significava que um ateu não poderia efetivamente arquivar acusações civis e criminais. O raciocínio por detrás desta proibição era que, já que o ateu não acredita em recompensas e punições após a morte, ele não se sentiria moralmente obrigado a contar a verdade numa corte. Em 1871 a Corte Suprema do Tenessee publicou esta declaração memorável:
O homem que possui a audácia de confessar que não acredita num Deus demonstra uma negligência de caráter moral e completa ausência de responsabilidade moral, assim ele nem mesmo deve ser ouvido ou acreditado numa corte de justiça de um país designado como cristão.
Aqui temos o estereótipo de um ateu como um insensível cínico amoral — uma descrição que permanece difundida em nosso próprio tempo. O ateísmo — assim acusam-no — não é senão puro negativismo: destrói e não reconstrói. O ateísta é contraposto à própria moral, e a luta entre a crença em um deus e a descrença é vista como uma batalha entre o bem e o mal. Se verdadeiro, o ateísmo é declarado como tendo implicações ominosas numa escala cósmica. A. E. Taylor expressa o medo de muitos teístas quanto escreve:
…mesmo em horas do mais completo e sereno desprendimento intelectual, não podemos escapar da questão da possibilidade de se eliminar Deus tanto do mundo natural ou do mundo moral sem converter ambos num pesadelo incoerente.
Esta imagem de um mundo sem deus é apenas uma entre muitas. O ateísmo tornou-se tão apinhado de mitos e mal-entendidos que muitas críticas supostamente endereçadas ao ateísmo são notáveis por sua completa irrelevância. Alguns críticos religiosos preferem atacar as ideias impopulares associadas ao ateísmo em vez de encarar o desafio do ateísmo diretamente. De fato, não é incomum encontrar livros inteiros com o intuito expresso de demolir o ateísmo, mas que falham em discutir questões básicas como por que alguém deveria acreditar em deus em absoluto. Estes livros contentam-se em identificar o ateísmo com personalidades específicas (como Nietzsche, Marx, Camus e Sartre) e, criticando as visões desses indivíduos, o autor religionista acredita ter destruído o ateísmo. Na maioria dos casos, entretanto, o crítico nem mesmo discutiu o ateísmo.
Apresentar o ponto de vista ateístico é uma tarefa difícil e frustrante. O ateu precisa penetrar a barreira do medo e da suspeita que o confronta, e precisa convencer o ouvinte de que o ateísmo não representa uma degeneração, mas um passo adiante. Isto frequentemente requer que o ateísta tome uma posição defensiva para explicar por que o ateísmo não conduz a consequências desastrosas. Espera-se que o ateu responda uma série de questões; as apresentadas a seguir são típicas.
Sem deus, o que resta da moral? Sem deus, qual propósito há na vida do homem? Se não acreditarmos num deus, como podermos ter certeza de qualquer coisa? Se deus não existe, a quem nos voltaremos num tempo de crise? Se não há outra vida, quem irá recompensar a virtude e punir a injustiça? Sem deus, como podemos resistir à investida do comunismo ateístico? Se deus não existe, o que resta do merecimento e da dignidade de cada pessoa? Sem deus, como o homem pode alcançar a felicidade?
Estas questões e outras similares refletem a íntima conexão entre a religião e os valores nas mentes de muitas pessoas. Como resultado, a questão da existência de deus torna-se mais do que um simples problema filosófico — e o ateísmo, visto que é interpretado como um ataque a estes valores, assume uma relevância muito além de seu real significado. As defesas da religião são frequentemente saturadas de furor emocional, e o ateu vê-se moralmente condenado, diagnosticado como um homem confuso e infeliz, e ameaçado com uma variedade de punições futuras. Enquanto isso, a frustração do ateísta aumenta ao passo que ele descobre que seus argumentos em prol do ateísmo são fúteis, que o crente médio — que foi persuadido a crer por razões emocionais, não intelectuais — é impenetrável a argumentos contra a existência de um ser sobrenatural, não importando quão meticulosos e cuidadosamente apresentados sejam estes argumentos. Há muito em jogo: se a escolha precisa ser feita entre o conforto da religião e a veracidade do ateísmo, muitas pessoas sacrificarão esta última sem hesitação. Na perspectiva deles, há muito mais a ser discutido a respeito da existência de Deus que simplesmente se ele existe ou não.
Isso deixa o ateu em que posição? Ele precisa oferecer o ateísmo como um modo de vida alternativo à religião, completo, com seu próprio conjunto de valores? O ateísmo é um substituto para a religião? O ateísmo pode satisfazer as necessidades morais e emocionais do homem? O indivíduo ateu deve defender-se contra toda acusação de imoralidade e pessimismo? O ateísmo oferece quaisquer valores positivos? Estas questões não são complexas quanto podem parecer. O ateísmo é uma posição clara, facilmente definível; é uma tarefa fácil delinear o que o ateísmo pode ou não realizar. A fim de compreender o escopo do ateísmo, entretanto, é necessário que removamos as paredes de mitos que o circundam — com a esperança de que os temores e os preconceitos contra o ateísmo também desmoronem. Para alcançar tal objetivo, precisamos determinar o que o ateísmo é e o que o ateísmo não é.
II
O Significado do Ateísmo
“Teísmo” é definido como a “crença em um deus ou deuses”. O termo “teísmo” às vezes é usado para designar a crença em um tipo particular deus — o deus pessoal do monoteísmo —, mas, como utilizado neste livro, “teísmo” significa a crença em qualquer deus ou número de deuses. O prefixo “a” significa “ausência”, então o termo “a-teísmo” literalmente significa “sem teísmo”, ou sem crença em um deus ou deuses. O ateísmo, portanto, é a ausência de crença teística. Quem não acredita na existência de um deus ou de um ser sobrenatural pode ser apropriadamente denominado um ateu.
O ateísmo às vezes é definido como “a crença de que nenhum tipo de Deus existe”, ou como a alegação de que um Deus não pode existir. Estas são categorias de ateísmo, elas não exprimem o significado do ateísmo — e são relativamente enganosas no que diz respeito à natureza básica do ateísmo. O ateísmo, em sua forma básica, não é uma crença, é a ausência de crença. Um ateu não é primariamente uma pessoa que acredita na inexistência de deus; em vez disso, ele não acredita na existência de deus.
Como aqui definido, o termo “ateísmo” tem um escopo mais abrangente do que os significados comumente atribuídos a ele. Os dois tipos mais comuns são descritos por Paul Edwards como se segue:
Em primeiro lugar, há o sentido mais familiar em que uma pessoa é uma ateísta. Se ele afirma que não há um Deus, toma-se como significado disto que “Deus existe” expressa uma proposição falsa. Em segundo lugar, há também outro sentido mais amplo em que uma pessoa é uma ateísta: se ela rejeita a crença em Deus, não importando se sua rejeição baseia-se na visão de que a crença em um Deus é falsa.
Ambos estes significados são importantes tipos de ateísmo, mas nenhum faz jus ao ateísmo em seu sentido mais abrangente. “Ateísmo” é um termo privativo, um termo negativo, indicando oposto de teísmo. Se usarmos a expressão “crença-em-deus” como um substituto para teísmo, veremos que sua negação é “sem-crença-em-deus” — ou, em outras palavras, “a-teísmo”. Este é simplesmente um outro modo de dizer “sem teísmo” ou ausência de crença em deus.
“Teísmo” e “ateísmo” são termos descritivos: eles especificam a presença ou a ausência de crença em deus. Se uma pessoa é designada como uma teísta, isto nos diz somente que ela acredita num deus, não por que acredita. Se uma pessoa é designada como uma ateísta, isto nos diz somente que ela não acredita num deus, não por que não acredita.
Há muitas razões pelas quais alguém pode não acreditar na existência de um deus; talvez nunca tenha encontrado o conceito de deus antes, ou considere a ideia de um ser sobrenatural absurda, ou pense que não há evidência para respaldar a crença num deus. A despeito de qual a razão, se alguém não acredita na existência de um deus, este alguém é um ateu — está ausente de crença teística.
Neste contexto, teísmo e ateísmo abarcam todas as possíveis alternativas em relação à crença em um deus: um indivíduo é um teísta ou um ateísta; não há outra escolha. Ou bem se aceita a proposição “deus existe” ou bem se não a aceita. Ou se acredita num ser sobrenatural ou não se acredita. Não há terceira opção ou meio-termo. Isto imediatamente levanta a questão do agnosticismo, o qual tem tradicionalmente sido oferecido como uma terceira alternativa para o teísmo e o ateísmo.
III
Agnosticismo
O termo “agnóstico” foi cunhado por Thomas Huxley em 1869. “Quando atingi a maturidade intelectual”, diz Huxley, “e comecei a perguntar a mim mesmo se era um ateu, um teísta ou um panteísta… Descobri que quanto mais aprendia e refletia, menos pronto estava para responder”. De acordo com Huxley, os expoentes destas doutrinas, apesar de suas óbvias diferentes, partilham uma assunção comum, uma assunção com a qual ele discorda:
Eles estavam bastante certos de que haviam alcançado uma certa “gnose” — de que tinham, de modo mais ou menos bem-sucedido, solucionado o problema da existência; enquanto eu tinha bastante certeza de que não tinha, e possuía uma convicção bastante forte de que o problema era insolúvel.
Quando Huxley ingressou na Sociedade Metafísica, descobriu que as várias crenças lá representadas tinham nomes: “a maioria de meus colegas eram istas de algum tipo ou outro”. Huxley, sem um nome para sua incerteza, estava “sem um trapo de rótulo para cobrir-se”. Ele era uma raposa sem uma cauda — então deu a si próprio uma cauda atribuindo-se o termo “agnóstico”. Parece que Huxley originalmente usou este termo de uma forma relativamente jocosa. Ele selecionou a seita religiosa primitiva conhecida como “Gnósticos” como um exemplo primo de homens que alegavam conhecimento do sobrenatural sem justificativas; e distinguiu-se como um “a-gnóstico” estipulando que o sobrenatural, mesmo se existir, jaz muito além do escopo do conhecimento humano. Não podemos dizer se existe ou não, então devemos suspender nosso julgamento.
Desde o tempo de Huxley, “agnosticismo” adquiriu um número de diferentes aplicações baseadas em sua derivação etimológica da negativa “a” e do radical grego gnosis (“saber”). Agnosticismo, como um termo genérico, atualmente significa a impossibilidade de conhecimento numa dada área. Um agnóstico é uma pessoa que acredita que algo é inerentemente incognoscível à mente humana. Quando aplicado à esfera da crença teística, um agnóstico é aquele que defende que algum aspecto do sobrenatural apresenta-se eternamente fechado ao conhecimento humano.
Apropriadamente considerado, o agnosticismo não é uma terceira alternativa ao teísmo e ateísmo porque concerne a um diferente aspecto da crença religiosa. Teísmo e ateísmo referem-se à presença ou ausência de crença num deus; agnosticismo refere-se à impossibilidade de conhecimento em relação a um deus ou ser sobrenatural.
O termo “agnóstico”, em si mesmo, não indica se alguém acredita ou não num deus. O agnosticismo pode ter tanto teístico quanto ateístico.
O agnóstico teísta acredita na existência de deus, mas defende que a natureza de deus é incognoscível. O filósofo medieval judeu, Maimonides, é um exemplo desta posição. Ele acreditava em deus, mas recusava-se a atribuir características positivas a este deus alegando que tais características introduziriam a pluralidade na natureza divina — um procedimento que iria, segundo acreditava Maimonides, conduzir ao politeísmo. De acordo com o religioso agnóstico, podemos dizer que deus é, entretanto — devido à incognoscibilidade da natureza sobrenatural — não podemos dizer o que deus é.
Assim como seu primo teístico, o agnóstico ateu defende que qualquer reino sobrenatural é inerentemente incognoscível à mente humana, mas este agnóstico suspense seu julgamento um passo antes. Para o agnóstico ateu, não apenas a natureza de qualquer ser sobrenatural é incognoscível, mas também a existência de qualquer ser sobrenatural. Não podemos ter o conhecimento do incognoscível; portanto, conclui este agnóstico, não podemos ter conhecimento da existência de deus. Devido a esta variedade de agnóstico não se submeter à crença teística, ele qualifica-se como um tipo de ateu.
Várias defesas foram oferecidas para esta posição, mas geralmente originando-se de um empirismo estrito; por exemplo, a doutrina de que o homem deve ganhar todo seu conhecimento inteiramente através de seus sentidos. Já que um ser sobrenatural jaz muito além do escopo da evidência sensorial, não podemos afirmar nem negar a existência de um deus; fazer qualquer um dos dois, de acordo com o agnóstico ateu, equivale a transgredir os limites do entendimento humano. Enquanto este agnóstico afirma a possibilidade teórica de uma existência sobrenatural, ele acredita que a questão deve permanecer, em última análise, incerta e indecisa. Deste modo, para o agnóstico ateu, a resposta apropriada à questão “Existe um Deus?” é “Eu não sei” — ou, mais especificamente, “Eu não posso saber”.
Se esta descrição representa a exata posição de Thomas Huxley — isto é algo que não está inteiramente claro. Às vezes, como vimos, ele parece indicar que a existência do sobrenatural, apesar de possível, é incognoscível. Noutro lugar, entretanto, ele escreve que “não se importa muito em considerar qualquer coisa como ‘incognoscível’”. E, sumarizando os fundamentos do agnosticismo, Huxley não se refere a qualquer coisa como incognoscível ou “insolúvel”.
…é errado para um homem dizer que ele está certo da verdade objetiva de qualquer proposição a não ser que possa produzir uma evidência que justifique logicamente sua certeza. É isso que o agnosticismo afirma; e, em minha opinião, essa é toda a essência do agnosticismo… a aplicação do princípio resulta na negação, ou suspensão do julgamento, de um número de proposições em relação às quais nossos “gnósticos” eclesiásticos contemporâneos professam certeza total.
Esta passagem sugere que, na opinião de Huxley, não há evidência suficiente para justificar a crença num deus, então dever-se-ia suspender o julgamento sobre o assunto. Discutindo se a existência de deus é incognoscível a princípio ou apenas atualmente desconhecida, ele escreve:
Do que eu tenho certa é que há muitos tópicos sobre os quais não sei coisa alguma; e que, tanto quanto posso perceber, estão fora do alcance de minhas faculdades. Mas, se essas coisas são cognoscíveis a qualquer outra pessoa, este é exatamente um daqueles assuntos que estão além de meu conhecimento, apesar de que eu possa ter uma opinião razoavelmente forte em relação às probabilidades do caso.
Huxley é relutante em defender a absoluta incognoscibilidade do sobrenatural, e deseja sustentar, em vez disso, que, tanto quanto ele sabe, o conhecimento do sobrenatural jaz além do poder das faculdades humanas. Não seria forçado demais dizer que, na visão de Huxley, a cognoscibilidade do sobrenatural é em si uma questão incognoscível.
Devido à ambiguidade da posição agnóstica tradicional, o termo “agnóstico” tem sido empregado numa variedade de modos. É comumente usada para designar alguém que se recusa a afirmar ou negar a existência de um deus, e devido ao ateísmo estar frequentemente associado à categórica negação do teísmo, o agnosticismo é oferecido como uma terceira alternativa. Aqui está uma típica explicação, encontrada na Enciclopédia Católica:
Um agnóstico não é um ateu. Um ateu nega existência de Deus; um agnóstico professa a ignorância sobre Sua existência. Para este último, Deus pode existir, mas a razão não pode comprová-lo nem contestá-lo.
Perceba que o agnosticismo emerge como uma terceira alternativa apenas se o ateísmo for estreitamente definido como a negação do teísmo. Nós vimos, entretanto, que o ateísmo, em seu sentido mais amplo, refere-se basicamente à ausência de crença em deus, não necessariamente à negação de deus. Qualquer pessoa que não acredita em deus, por qualquer motivo, carece de crença teística e, portanto, qualifica-se como uma ateísta.
Enquanto o agnóstico da variedade Huxley pode se negar a afirmar se o teísmo é verdadeiro ou falso — “suspendendo”, assim, seu julgamento —, ele não acredita na existência de um deus (se acreditasse, seria um teísta). Já que este agnóstico não aceita a existência de um deus como verdadeira, ele está ausente de crença teística, ele é ateístico — e o agnosticismo de Huxley emerge como uma forma de ateísmo.
Assim, como previamente indicado, agnosticismo não é uma posição independente ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo, pois classifica de acordo com um critério diferente. Teísmo e ateísmo separam aqueles que acreditam num deus daqueles que não acreditam. O agnosticismo separa aqueles que acreditam que a razão não pode penetrar o reino do sobrenatural daqueles que defendem a capacidade da razão de afirmar ou negar a veracidade da crença teística.
O agnóstico teísta encontra oposição não apenas dos ateus, mas também dos outros teístas que creem que a natureza de deus pode ser conhecida (pelo menos até certo grau) pela mente humana. Igualmente, o agnóstico ateu encontra oposição dos outros ateus, que se recusam a aceitar a possibilidade teórica da existência sobrenatural, ou que argumentam que a razão pode eficientemente demonstrar a falsidade ou a incoerência do teísmo.
As posições agnósticas foram duramente criticadas pelos crentes e descrentes; iremos examinar as objeções ao agnosticismo posteriormente. Nosso objetivo aqui é elucidar a relação do agnosticismo com o teísmo e o ateísmo para que se possa evitar mal-entendidos futuros. O agnosticismo é comumente usado como um refúgio àqueles que desejam escapar do estigma do ateísmo, e sua vagueza ganhou um status de uma forma intelectualmente respeitável de dissidência religiosa. Em muitos casos, entretanto, o termo “agnóstico” é mal utilizado.
O agnosticismo é uma posição filosófica legítima (apesar de que, em minha opinião, está equivocada), mas não é uma terceira alternativa ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo. Em vez disso, é uma variante ou do teísmo ou do ateísmo. O autoproclamado agnóstico ainda precisa especificar se acredita ou não num deus — e, ao fazê-lo, compromete-se com o teísmo ou compromete-se com o ateísmo. Mas compromete-se a si próprio. O agnosticismo não é a escapatória que comumente se pensa ser.
IV
As Variedades de Ateísmo
O termo “ateísmo” tem sido utilizado até aqui para cobrir todo caso de descrença em deus ou deuses. Analisaremos agora sucintamente as várias manifestações do ateísmo.
O ateísmo pode ser dividido em duas grandes categorias: implícito e explícito. (a) Ateísmo implícito é a ausência de crença teística sem uma rejeição consciente desta; (b) Ateísmo explícito é a ausência de crença teística devido à consciente rejeição desta.
(a) Um ateu implícito é uma pessoa que não acredita em um deus, mas que não rejeitou ou negou explicitamente a veracidade do teísmo. Ateísmo implícito não pressupõe familiaridade com a ideia de um deus.
Por exemplo, uma pessoa que não possui conhecimento sobre a crença teística não acredita num deus, mas também não nega a existência de tal ser. A negação pressupõe algo para ser negado, e ninguém pode negar a veracidade do teísmo sem antes saber o que é o teísmo. O homem não nasce com o conhecimento inato do sobrenatural; até que lhe seja apresentada a ideia ou ele próprio a conceba, ele é incapaz de afirmar ou negar sua veracidade — ou mesmo “suspender” seu julgamento.
Esta pessoa representa um problema para as classificações tradicionais. Ela não acredita em um deus, então não é uma teísta. Ela não rejeita a existência de um deus, então, de acordo com a acepção em que comumente o ateísmo é utilizado, ela não é uma ateísta. Esta pessoa também não afirma que a existência do sobrenatural é desconhecida ou incognoscível, então não é uma agnóstica. A falha das classificações tradicionais em incluir esta possibilidade indica sua falta de compreensão.
Como definido neste capítulo, um homem alheio ao teísmo é um ateu porque não acredita em um deus. Esta categoria também incluiria a criança com capacidade conceitual de compreender as questões envolvidas, mas que ainda está alheia a elas. O fato de esta criança não acreditar num deus faz dela uma ateísta. Já que esses casos de descrença não são o resultado de uma rejeição consciente, são mais bem designadas como sendo um ateísmo implícito.
Neste ponto, objeções podem ser levantadas em protesto contra o uso da palavra “ateísmo” para abarcar o caso da criança desinformada. Alguns religionistas sem dúvida dirão que esta vitória barata do ateísmo foi conseguida através de definições arbitrárias. Em resposta a isto, precisamos notar que a definição de ateísmo como sendo a ausência da crença em deus ou deuses não é arbitrária. Apesar de este significado ser mais amplo do que o comumente aceito, ele tem sua justificativa no significado do termo “teísmo” e no prefixo “a”. Também, como dito anteriormente, esta definição de ateísmo tem a virtude de representar a antítese do teísmo, e deste modo “teísmo” e “ateísmo” abarcam todas as possibilidades de crença e descrença.
Olhando de perto, é provável que as objeções a se chamar a criança desinformada de ateísta surgirão da assunção de que ateísmo implica algum grau de degradação moral. Como ousam chamar crianças inocentes de ateístas! Certamente é injusto degradá-las desta maneira.
Se o religionista está incomodado pelas implicações morais de se denominar uma criança desinformada de ateísta, o problema está nestas implicações morais, não na definição de ateísmo. Reconhecer esta criança como uma ateísta é um passo importantíssimo para remover o estigma moral vinculado ao ateísmo, pois força o teísta ou a abandonar seus estereótipos do ateísmo ou a estendê-los até o absurdo patente. Se ele recusar-se a descartar seus mitos favoritos, se ele continuar a condenar os descrentes como imorais per se, a lógica exige que ele condene a criança inocente também. E, a não ser que esse teísta seja um ardoroso seguidor de Calvino, ele perceberá o que esta impetuosa reprovação moral do ateísmo realmente representa: irracionalidade.
A categoria de ateísmo implícito também se aplica à pessoa familiarizada com as crenças teísticas e que não as consente, mas que não rejeitou explicitamente a crença num deus. Recusando comprometer-se, a pessoa pode ser indecisa ou indiferente, mas permanece o fato que ela não acredita em um deus. Logo, esta pessoa também é uma ateísta implícita.
O ateísmo implícito é convenientemente ignorado por aqueles teístas que representam o ateísmo como uma crença positiva em vez da ausência de crença. Apesar de isso parecer uma distinção sutil, ela tem importantes consequências.
Se alguém apresenta uma crença positiva (por exemplo, uma afirmação que alguém alega ser verdadeira), este alguém tem a obrigação de apresentar evidências em seu favor. O ônus da prova recai sobre a pessoa que afirma a veracidade de uma proposição. Se a evidência não é contundente, se não há motivos suficientes para se aceitar a proposição, ela não deve ser acreditada. O teísta que afirma a existência de um deus assume a responsabilidade de demonstrar a veracidade desta asserção; se ele falhar nesta tarefa, o teísmo não deve ser aceito como verdadeiro.
Alguns crentes tentam escapar da responsabilidade de prover evidências invertendo a responsabilidade ao ateísmo. O ateísmo, que é representado como uma crença rival ao teísmo, claramente não pode demonstrar a inexistência de um deus, então se alega que o ateísta não é melhor que o teísta. Este também é o argumento favorito do agnóstico, que alega rejeitar o ateísmo e o teísmo afirmando que nenhuma das posições pode apresentar demonstrações.
Quando o ateísmo é reconhecido como a ausência de teísmo, a manobra precedente cai por terra. O ônus da prova aplica-se somente a casos de crença positiva. Para exigir uma prova do ateu, o religionista deve representar o ateísmo como uma crença positiva que requer comprovação. Quando o ateu é visto como uma pessoa que carece de crença em um deus, torna-se claro que ele não está obrigado a “provar” coisa alguma. Um ateu enquanto ateu não acredita em nada que requer demonstração; a designação de “ateísta” não nos diz no que ele acredita, mas no que ele não acredita. Se outros desejam que ele aceite a existência de um deus, é responsabilidade deles argumentar em prol do teísmo — mas o ateu não necessita argumentar de modo similar em prol do ateísmo.
É crucial distinguir entre o ateísmo enquanto tal e as muitas crenças que um ateu pode defender. Todos os ateus de fato adotam algumas crenças positivas, mas o conceito de ateísmo não abarca tais crenças. O ateísmo refere-se apenas ao elemento da descrença em deus, e já que não há conteúdo nisso, já que não há nenhuma crença positiva, a exigência de comprovação não se aplica.
O ateísmo não é necessariamente o produto final de uma cadeia de raciocínio. O termo “ateísta” diz apenas que este alguém não acredita em deus, mas não especifica por que motivo. Independentemente da causa da descrença, se alguém não acredita em um deus, este alguém é um ateu.
O teísmo precisa ser aprendido e aceito. Se nunca for aprendido, não poderá ser aceito — e o indivíduo permanecerá implicitamente um ateu. Se o teísmo é aprendido, mas mesmo assim rejeitado, o indivíduo será um ateu explícito — o que nos conduz ao segundo tipo de ateísmo.
(b) Um ateu explícito é aquele que rejeita a crença em um deus. Esta rejeição deliberada do teísmo pressupõe familiaridade com as crenças teísticas e às vezes é caracterizada como um antiteísmo.
Há várias motivações para o ateísmo explícito, algumas são racionais e algumas não. O ateísmo explícito pode ser motivado por fatores psicológicos. Um homem pode não acreditar em deus porque odeia seus pais religiosos ou porque sua esposa trocou-o pelo pregador da vizinhança. Ou, num nível mais sofisticado, alguém pode achar que a vida é fútil e desamparada, e que não há espaço emocional para deus num universo trágico. Motivações como essas podem ser de interesse psicológico, mas são filosoficamente irrelevantes. Elas não são justificativas racionais para o ateísmo, e não vamos levá-las em consideração aqui.
A mais significante variedade de ateísmo é o ateísmo explícito de natureza filosófica. Este ateísmo defende que a crença em deus é irracional e, portanto, deve ser rejeitada. Já que esta versão do ateísmo explícito baseia-se na crítica das crenças teísticas, ele é mais bem descrito como ateísmo crítico.
O ateísmo crítico apresenta-se de várias formas. Ele é frequentemente expressado pela frase “Eu não acredito na existência de um deus ou ser sobrenatural”. Esta profissão da descrença frequentemente deriva-se do malogro do teísmo em prover evidência suficiente em seu próprio favor. Em face à ausência de evidência, este ateu explícito não vê motivos para acreditar em qualquer ser sobrenatural.
O ateísmo crítico também assume formas mais fortes, como “Deus não existe” ou “A existência de deus é impossível”. Estas afirmações geralmente são feitas após um conceito específico de deus, como o Deus do cristianismo, ter sido julgado absurdo ou contraditório. Assim como somos forçados a dizer que uma “esfera quadrada” não existe e não pode existir, assim somos levados a admitir que, se o conceito de deus entrar em contradição, ele não existe e não pode existir.
Finalmente, há o ateu crítico que se nega a discutir a existência ou inexistência de um deus porque acredita que o conceito de “deus” é ininteligível. Não podemos, por exemplo, discutir racionalmente a existência de um “unie” até que saibamos o que é um “unie”. Se nenhuma descrição inteligível é apresentada, a discussão precisa interromper-se. Analogamente, se nenhuma descrição inteligível de “deus” é apresentada, a discussão precisa interromper-se. Este ateu crítico, deste modo, diz: “A palavra ‘deus’ não faz sentido para mim, então eu não tenho ideia do que significa dizer que ‘deus’ existe ou não existe”.
Estas variedades de ateísmo crítico são idênticas num aspecto importante: possuem caráter essencialmente negativo. O ateu, enquanto ateu, tanto implícito quanto explícito, não afirma a existência de qualquer coisa; não faz qualquer afirmação positiva. Se a ausência de crença é um resultado do desconhecimento, esta descrença é implícita. Se a ausência de crença é o resultado de uma deliberação crítica, esta descrença é explícita. Em ambos os casos, a ausência de crença teística é a essência do ateísmo. Várias posições ateísticas diferem somente no que diz respeito às diferentes causas da descrença.
Este livro foi escrito na perspectiva do ateísmo crítico. Sua tese básica é que a crença em deus é inteiramente infundada — e, mais adiante, que há muitas razões para não se acreditar num deus. Se o teísmo é destruído intelectualmente, os motivos para se acreditar em deus desmoronam, e assim se é racionalmente forçado a não acreditar em um deus — ou, noutras palavras, se é obrigado a ser ateu.
Este livro não é uma crítica do teísmo e uma defesa do ateísmo: a crítica do teísmo é a defesa do ateísmo. O ateísmo não é a ausência de crença em deus e mais certas crenças positivas: ateísmo é somente a ausência de crença em deus. Se pudermos demonstrar que o teísmo é infundado, falso ou ilógico, então, simultaneamente, estabelecemos a validade do ateísmo. Esta é a razão pela qual o caso do ateísmo é O Caso Contra Deus.
V
Jacques Maritain e a Difamação do Ateísmo
As divisões precedentes do ateísmo são simples e imparciais. Eles não prejudicam o caso contra ou a favor do ateísmo sugerindo implicações morais. Similarmente, poderíamos também listar as variedades de teísmo, como monoteísmo e politeísmo, sem sugerir quaisquer consequências morais. Infelizmente, quando se está discutindo uma posição que alguém desaprova radicalmente, o espírito da objetividade é, não raro, sacrificado pelo preconceito e pelo emocionalismo. Isto não é mais evidente em qualquer lugar senão nos escritos de Jacques Maritain, um proeminente filósofo católico.
Em The Range of Reason [O Alcance da Razão], Maritain devota mais de uma dúzia de páginas às variedades de ateísmo, e já que suas classificações são largamente utilizadas por outras fontes cristãs (como a Enciclopédia Católica), é instrutivo analisar sua abordagem. Maritain tipifica o tratamento injusto que o ateísmo tem recebido nas mãos dos teólogos e dos filósofos religiosos. Apesar de que, presumivelmente, Maritain pretende que suas classificações sejam justas e imparciais, elas transparecem sua aversão pessoal pelo ateísmo. Sob o pretexto da categorização, Maritain joga suas cartas contra o ateísmo atribuindo a ele um status moral e psicológico inferior.
Considere-se o caso do que Maritain denomina “ateísmo prático”. Ateus práticos “acreditam que eles acreditam em Deus (e… talvez acreditem Nele em seus cérebros) mas… em verdade negam Sua existência através de cada um de seus feitos”.
Dizer que homens acreditam “em seus cérebros” é um modo confuso de admitir que eles, de fato, aceitam a existência de um ser sobrenatural. Por qualquer concepção racional de teísmo, tais pessoas são teístas, pura e simplesmente. Eles podem ser teístas hipócritas, que talvez professem ser cristãos enquanto ignoram a moral cristã — mas se esses homens de fato acreditarem em deus “em seus cérebros” (significando: como uma questão intelectual), então eles são teístas, independentemente de sua conduta ou crenças morais.
Mas a ideia de um cristão hipócrita ofende as sensibilidades de Maritain. A crença em deus é moralmente boa, e o teísta que não alcança certos padrões morais, de um certo modo, não acredita verdadeiramente em deus. Como se alguém se tornasse ateu através de suas ações, Maritain apresenta a simples resposta de que, se alguém é suficientemente imoral e hipócrita, este alguém merece ser chamado de ateu. Com a desculpa de estar classificando, Maritain purifica o teísmo, empurrando os indesejáveis ao campo ateístico, no qual ele não encontra dificuldade em aceitar seu comportamento inadequado. Afinal, que mais se pode esperar de um homem ímpio?
Pelo motivo da imoralidade, hipocrisia e possivelmente outros traços repugnantes, Maritain rotula o condenado como um ateu — um “ateu prático”, mas um ateu de qualquer modo. Ateísmo prático, como definido por Maritain, é o lixo conceitual para os rejeitos teísticos; na realidade, isso é um capricho pessoal elevado ao status de categoria filosófica. Se divergência também é incompatível com teísmo, então o próprio Maritain qualifica-se como um “ateu prático”.
Outra forma principal de ateísmo, de acordo com Maritain, é o “ateísmo absoluto”. Ateus absolutos “de fato negam a existência do próprio Deus no Qual os crentes acreditam e… são levados a mudar inteiramente sua própria escala de valores e destruir neles próprios tudo que conota Seu nome”.
Já podemos presumir que o ateísmo absoluto, como o ateísmo prático, irá envolver distinções morais. O ateu absoluto muda seus próprios valores e busca destruir tudo que o faz lembrar de deus. O que nos faz lembrar de deus? Se tomarmos as palavras de Maritain, deus está associado com tudo de bom e decente — nada surpreendente que isto nos conduz à conclusão de que o ateu absoluto está travando uma guerra contra a bondade. Maritain, deste modo, conclui que “o ateísmo absoluto de modo algum é a mera ausência de crença em Deus. Em vez disso é a recusa de Deus, a luta contra Deus, um desafio a Deus. E, quanto ele alcança sua vitória, acarreta mudanças no homem em seu próprio comportamento íntimo, dá ao homem uma espécie de solidez insensível, como se o espírito tivesse sido recheado de matéria morta e seus tecidos orgânicos transformados em pedra”.
Os ateísmos “prático” e “absoluto” são considerados por Maritain como categorias compreensíveis (uma terceira — “pseudo-ateísmo” — é dispensada como irrelevante), e assim o ateu previdente tem a escolha de classificar-se como hipócrita ou como alguém constantemente engajado numa destruição de valores, enchendo-se assim de “substância morta”. Isso não chega a ser uma alternativa atraente, muito menos precisa, mas proporciona a Maritain um veículo para destruir o ateísmo sem preocupar-se com questões tão mundanas como precisão, respeito intelectual e argumentos racionais.
Maritain distorce a posição ateística com notável facilidade e audácia e, ao fazê-lo, perpetua muitos dos mitos irracionais sobre o ateísmo. Para aqueles que acreditam que apenas os incultos e ignorantes caluniam o ateísmo, J. Maritain e seus seguidores representam uma instrutiva evidência do contrário.
VI
O que o Ateísmo não é
Muitos mitos do ateísmo, como aqueles apresentados por Maritain, dependem de se atribuir ao ateísmo características que não lhe pertencem. Por causa disso, torna-se essencial identificar o que o ateísmo não é.
(a) Comumente se acredita que o ateísmo “envolve o que se denomina cosmovisão, uma visão completa da vida”. Um religionista nos diz que o ateísmo “não pode contentar-se apenas em ser a simples negação dos dogmas religiosos; precisa elaborar sua própria concepção da vida humana e tornar-se uma realidade positiva”.
Quando o ateísmo é representado pelos teístas como um estilo de vida, este é invariavelmente caricaturado como malévolo ou indesejável. Contrariamente, quando é representado pelos ateístas como um modo de vida, é caricaturado como benéfico em vez de daninho. Joseph Lewis, um proeminente ateu da tradição livre-pensadora americana, escreve que o ateísmo “equipa-nos para encarar a vida, com sua multidão de experiências e tribulações, melhor que qualquer outro código de vida que eu tenha sido capaz de encontrar”. Na opinião de Lewis, “Ateísmo é uma filosofia corajosa e vigorosa”.
Ver o ateísmo como um estilo de vida, seja benévolo ou malévolo, é um mal-entendido. Assim como a ausência de crença em elfos mágicos não acarreta um código de vida ou um conjunto de princípios, analogamente a descrença em deus não implica qualquer sistema filosófico específico. Do simples fato de que uma pessoa é uma ateísta não se pode inferir que esta pessoa irá adotar qualquer crença positiva em particular. As convicções positivas são um assunto totalmente distinto do ateísmo. Enquanto alguém pode partir de uma posição filosófica básica e inferir o ateísmo como consequência dela, este processo não pode ser revertido. Não se pode passar do ateísmo para uma crença filosófica básica, pois o ateísmo pode ser (e tem sido) incorporado dentro de muitos e incompatíveis sistema filosóficos.
(b) O rótulo de “ateu” anuncia desacordo de alguém com o teísmo. Não anuncia o “acordo com” ou a “aprovação de” outros ateus.
A prática de se vincular o ateísmo com um conjunto de crenças, especialmente crenças morais e políticas, permite ao teísta agrupar os ateus todos sob uma bandeira comum, com a implicação de que um ateu concorda com a crença de outro ateu. E aqui temos a sempre popular “culpa por associação”. Já que os comunistas são notoriamente ateísticos, alguns teístas argumentam, deve haver alguma conexão entre o ateísmo e o comunismo. A implicação aqui é que o comunismo de alguma forma é uma consequência lógica do ateísmo, assim o ateu precisa defender-se contra a acusação latente de comunismo.
Esta prática irracional e grosseiramente injusta de se vincular o ateísmo com o comunismo está perdendo popularidade e raramente é encontrada em absoluto, senão entre políticos conservadores. Mas a mesma técnica básica às vezes é usada pelo filósofo religioso para tentar desacreditar o ateísmo. Em vez de comunismo, o sofisticado teólogo irá associar o ateísmo com o existencialismo — que projeta uma visão pessimista da existência — e então chegará à conclusão de que o ateísmo conduz a uma visão pessimista do Universo. Parece que a segunda melhor coisa para convencer pessoas a não serem ateístas é assustá-las com ele.
Apesar de que alguns ateus são comunistas e alguns são existencialistas, isso não nos diz nada sobre o ateísmo ou outros ateus. É provável que o cristão, como o ateu, não acredita na existência de elfos mágicos — mas isso não implica uma significante área de concordância entre os dois. Sucede o mesmo com o ateísmo.
Assim como um teísta pode discordar de outro teísta em questões importantes, igualmente um ateu pode discordar de outro em questões importantes. Um ateu pode ser um capitalista ou um comunista, um objetivista ou subjetivista ético, um produtor ou um parasita, um homem honesto ou um ladrão, um indivíduo psicologicamente saudável ou um neurótico. A única coisa incompatível com o ateísmo é o teísmo.
(c) Ao discutir ateísmo, muitos religionistas adotam a seguinte estratégia de ação: se tudo o mais falhar, psicologize. Se não conseguir vencer o ateu no campo das ideias, torne-se seu terapeuta: simpatize-se com ele, informe-lhe de seus problemas psicológicos enterrados que o levam a rejeitar deus. E, acima de tudo, assegure-o de que a plenitude e a felicidade aguardam-no na igreja da vizinhança.
Um filósofo fala do “desejo natural por Deus” que, se não for saciado, “conduz à absoluta frustração”. Outro filósofo afirma que, se os homens decidirem não acreditar em um deus, “tanto quanto forem inteligentes, serão entristecidos pela sua decisão”, pois um mundo sem deus “seria notavelmente escasso em alegria”. Fulton Sheen nos diz que a felicidade “é a ascensão do que é inferior em nós ao que é superior, do nosso egotismo ao nosso Deus”. Um teólogo chegou a afirmar que a frase “o homem sem deus” envolve uma contradição.
São João Crisóstomo estava simplesmente afirmando a verdade central desta tradição em seu famoso dito: “Ser homem é temer a Deus”… Deus, que é o Autor da natureza, é integral à natureza do homem. Logo, o homem que não teme a Deus de algum modo não existe, e sua natureza de algum modo não é humana. Em contrapartida, aí está ele. Eis o problema.
Ser um ateu é repentinamente ser menos que um humano — ser um enigma, um paradoxo ambulante, um problema psicológico. Como coloca um teísta, “A descrença á uma interrupção no desenvolvimento”. A saúde mental, afirma um psicólogo, “exige um bom relacionamento interpessoal consigo mesmo, com os outros e com Deus” — o que, observa Thomas Szasz, “claramente coloca todos ateus na classe dos mentalmente doentes”.
Essas afirmações merecem poucos comentários, mas é interessante notar o intimidante padrão utilizado para avaliar a relação entre o ateísmo e a felicidade. Se o ateu é infeliz, isso é atribuído à sua descrença. Vinculando a felicidade com a íntima conexão com deus, o “ateu feliz” é definido como fora da existência.
O padrão comum para se vincular deus e felicidade é como se segue: todo ser humano naturalmente deseja o bem, o objeto da felicidade. Deus é a bondade última e autossuficiente. Portanto, toda pessoa naturalmente deseja deus como um corolário de sua natureza como ser humano. A felicidade divorciada de deus é uma contradição em termos.
A partir desta dúbia linha de pensamento, temos a posterior conclusão de que o ateu está lutando com frustrantes conflitos internos. Ele deseja a felicidade mas, ao negar deus, nega a felicidade a si próprio. O ateu de alguma forma está travando uma guerra contra si próprio, contra sua própria natureza — e isto o torna neurótico, se não esquizofrênico.
Esta psicologia teológica é o freudismo invertido. Enquanto religionistas têm sido incomodados pelas tentativas dos psicólogos para reduzir o teísmo a motivações neuróticas, esses teístas não hesitam em empregar a mesma técnica em sua vantagem contra os ateus. Quando o teísta anuncia sua crença num ser sobrenatural, ele normalmente compreendido por suas palavras. Quanto o ateu anuncia sua descrença em deus, entretanto, ele é frequentemente confrontado com: “Oh, não verdadeiramente!” Ou: “É uma pena que você seja tão infeliz”. Ou: “Espero que sua atitude negativa em relação à vida mude”.
O ateu também encontra sua descrença analisada com relação à sua idade. Se o ateu é jovem, sua descrença é atribuída à sua rebeldia e imaturidade — uma “fase” que com alguma sorte passará. Se o ateu é um homem de meia-idade, sua descrença é vinculada à frustração da rotina diária, ao amargor do malogro ou à alienação de si próprio e seu semelhante. Se o ateu é idoso, a explicação está na desilusão, no cinismo e na solidão que às vezes acompanham os últimos anos.
Contrariamente ao que muitos teístas gostam de acreditar, ateísmo não é uma forma de rebelião neurótica ou doença mental. O religionistas não pode livrar o mundo dos ateus confinando-os num asilo isolado onde podem ser ignorados. Rotular o ateísmo como um problema psicológico é uma febril e quase risível tentativa de evadir as questões fundamentais da verdade e falsidade. O teísmo é verdadeiro? Que motivos temos para acreditar em um Deus? Essas são perguntas importantes, e essas são as perguntas que o teísta deve fazer a si próprio se deseja confrontar o desafio do ateísmo.
Ademais, há uma grosseira desonestidade envolvida em se oferecer a felicidade como um motivo para se acreditar num deus. Os teístas que apelam à felicidade como uma recompensa para a crença demonstram uma chocante desconsideração à intelectualidade e à busca pela verdade. Mesmo se o teísmo conduzisse à felicidade (o que ele não faz), isso não demonstraria sua veracidade. A psicologização do ateísmo, deste modo, é irrelevante à questão do teísmo versus ateísmo. O teísta que tenta derrotar o ateísmo subordinando a verdade ao emocionalismo não consegue coisa alguma, senão revelar seu desprezo pela capacidade de pensamento humana.
VII
A Significância do Ateísmo
Poder-se-ia objetar que reduzimos o ateísmo a uma trivialidade. Não é uma crença positiva e não oferece quaisquer princípios construtivos, então que valor possui? Se o ateísmo pode ser comparado em não se acreditar em elfos mágicos, então por que é importante? Por que devotar um livro inteiro a um assunto trivial?
O ateísmo é importante porque o teísmo é importante. O assunto de deus não é uma questão remota e abstrata com pouca influência sobre a vida dos homens. Pelo contrário, é a essência da religião Ocidental — especificamente, da tradição judaico-cristã —, que inclui um sistema de doutrinas que lida com todos ramos principais da filosofia.
Se alguém acredita, como eu acredito, que o teísmo não é apenas falso, mas também pernicioso ao homem, então a escolha entre teísmo e ateísmo assume uma grande importância. Se considerado puramente como uma ideia abstrata, o teísmo pode ser dispensado sem discussões prolongadas. Mas, quando considerado dentro do contexto apropriado — dentro do vigamento de sua significância história, cultural, filosófica e psicológica —, a questão de deus está entre os assuntos mais cruciais de nosso tempo.
Se, milhares de anos atrás, um culto de adoradores de elfos tivesse originado um conjunto de doutrinas, uma religião, baseada em sua crença nos elfos — e se essas doutrinas fossem responsáveis por extensos danos —, então este livro talvez pudesse ser intitulado O Caso Contra os Elfos. Historicamente, entretanto, deus foi mais atraente que os elfos, então em vez disso estamos discutindo O Caso Contra Deus.
Apesar de o ateísmo possuir caráter negativo, ele não precisa ser destrutivo. Quando usado para erradicar a superstição e seus efeitos nocivos, o ateísmo é uma perspectiva benevolente e construtiva. Ele purifica o ar, deixando a porta aberta para os princípios positivos e filosofias que se baseiam não no sobrenatural, mas na capacidade do homem de pensar e compreender.
A religião teve o desastroso efeito de colocar conceitos de importância vital — como a moral, a felicidade e o amor — num reino sobrenatural inacessível à mente e ao conhecimento humanos. A moral e a religião tornaram-se tão entrelaçadas que muitas pessoas não podem conceber uma ética divorciada de deus, mesmo em princípio — o que conduz à assunção de que o ateísta veio para destruir valores.
O ateísmo, entretanto, não é a destruição da moral; é a destruição da moral sobrenatural. Similarmente, o ateísmo não é a destruição da felicidade e do amor; é a destruição da ideia de que a felicidade e o amor podem ser alcançados apenas em outro mundo. O ateísmo traz estas ideias de volta à Terra, ao alcance da mente humana. O que ele faz com elas após este ponto é uma questão de escolha. Se ele descartá-las em favor do pessimismo e do niilismo, a responsabilidade está com ele, não com ateísmo.
Suprimindo qualquer possível apelo ao sobrenatural — o que, em termos de conhecimento humano, significa o incognoscível —, o ateísmo exige que questões sejam discutidas através da razão e do entendimento humano; elas não podem ser empurradas para um deus misterioso.
Se o ateísmo está correto, o homem está sozinho. Não há deus para pensar por ele, para olhar por ele, para garantir sua felicidade. Essas são responsabilidades somente do homem. Se o homem deseja conhecimento, deseja pensar por si próprio. Se o homem deseja sucesso, precisa trabalhar. Se o homem deseja felicidade, deve esforçar-se para alcançá-la. Alguns homens consideram um mundo sem deus uma visão aterrorizante; outros veem como um desafio revigorante e divertido. Como uma pessoa irá reagir ao ateísmo depende apenas dela própria — e o grau em que está disposta a assumir a responsabilidade por suas próprias escolhas e ações.
VIII
O Teísmo na Defesa
A tarefa de desmitificar o ateísmo agora está suficientemente completa, e chegou a hora de se colocar o ônus da defesa no lugar apropriado: sobre o teísta. Não estaremos mais preocupados em resgatar o ateísmo da neblina de mal-entendidos inventados pelos religiosos para obscurecer as questões fundamentais. O ateu não é obrigado a responder afirmações arbitrárias, assunções sem comprovação e generalizações grosseiras relacionadas à natureza e às consequências da posição ateística. O ateísmo é a ausência da crença em um deus, nada mais. Se o teísta deseja derivar implicações monumentais desta ausência de crença, deve argumentar em favor de suas alegações.
Sem o recurso da depreciação do ateísmo através da mitologia e da calúnia, o teísta é privado de suas maiores ferramentas evasivas. Agora ele é levado a encarar os fatos, a apresentar suas crenças de modo inteligível e argumentar pela veracidade destas. É o ateu que exige a prova do teísta, não o oposto.
Antes de proceder, é necessário oferecer algumas observações preliminares concernentes à natureza de nossa investigação. O conflito entre teísmo e ateísmo centra-se na existência ou inexistência de um deus. A questão envolve duas grandes ramificações da investigação filosófica: metafísica e epistemologia.
A metafísica é o estudo da realidade, da existência como tal — em contraste com os estudos especializados da existência, como a física (matéria inanimada) e a biologia (entidades viventes). A metafísica lida com conceitos como matéria, consciência e causalidade.
A epistemologia é o “estudo ou a teoria da origem, natureza, métodos e limites do conhecimento”. A epistemologia lida com conceitos como veracidade, falsidade, certeza e erro.
Teremos frequentemente ensejo para fazer referências às implicações metafísicas e epistemológicas da crença teística, então pede-se que o leitor mantenha estas categorias em mente. “O que existe?” é uma questão da metafísica. “Como alguém o conhece?” é uma questão da epistemologia.
Ao longo da maior parte deste livro estaremos preocupados com uma questão, e uma questão apenas: O teísmo deve ser aceito como verdadeiro? Em última análise, esta é a única questão importante. Após responder esta questão, iremos explorar as implicações éticas e psicológicas da crença religiosa, mas essas áreas são secundárias à questão básica da veracidade.
O teísmo agora está na defesa; ele pode apenas destruir o ateísmo através da defesa da crença em um deus. Se sua defesa falhar, o teísmo falha — e o ateísmo emerge como a única alternativa racional.
autor: George H. Smith
tradução: André Díspore Cancian
fonte: Atheism: The Case Against God
.
http://ateus.net/artigos/ateismo/o-escopo-do-ateismo/
Entrevista com André Cancian, editor do Ateus.net
Entrevista realizada por Maria Ivonilda
André Díspore Cancian, 28 anos, ateu desde os 14, nasceu em Catanduva-SP. Autodidata declarado, frequentou clássicos da filosofia, ciência e psicologia, e é figura manjada na web brasileira, na qual se notorizou como editor do site Ateus.net, endereço que reúne uma enorme quantidade de artigos e vídeos de alta qualidade. Em 2002, publicou por conta própria a obra Ateísmo & Liberdade, de 300 páginas, atualmente na sexta edição. Em entrevista ao Amálgama , ele fala deste e de seu outro livro (O vazio da máquina), de seus projetos na rede e de filosofia.
.
APRESENTAÇÃO
Amálgama: André, como consta na própria descrição do site, o Ateus.net foi criado em 1999. Fale-nos um pouco sobre a história dele, os motivos que te levaram a fundá-lo, o que mudou até então, como é a recepção do conteúdo do site da parte de ateus e por religiosos. E o Ateísmo & Liberdade, é uma extensão do trabalho que você vem realizando no site? O que podemos encontrar nele?
André Cancian: Quando criei o site, a intenção era construir uma biblioteca com os melhores textos que já houvesse lido sobre o assunto. Tais materiais são fáceis de encontrar, mas ficam dispersos, sendo trabalhoso localizar leituras de qualidade sem estar familiarizado com a bibliografia do assunto, então resolvi reuni-las. Esse é o tipo de coisa que gostaria de ter tido a oportunidade de usufruir quando comecei a ler sobre o assunto. Porém, como não a encontrei, então a criei. O site sempre foi, e ainda é, centralizado nessa estrutura. O que mudou desde então foi que o conteúdo não é mais o único foco; agora o site também foca o diálogo entre os visitantes. Para tal fim foi criada uma comunidade chamada ateus.network, na qual os visitantes podem interagir, não ficando mais limitados ao recebimento de informações. Isso resume bem a ideia e história do site. Sobre o livro que escrevi, bem, ele aborda os mesmos assuntos do site e, em minha opinião, não acrescenta muito ao seu conteúdo, apenas está mais bem organizado, explicando os assuntos de maneira mais didática. Assim, se alguém ler todos os textos do site ou o livro, penso que o resultado será virtualmente o mesmo.
VERDADE, FÉ E RELIGIÃO
Sobre a relação entre a verdade, a fé e a religião, Denis Diderot tem uma citação no ensaio O passeio do cético , a que faço referência agora apenas para efeito de ilustração: “Os homens praticamente mataram uns aos outros por causa de coisas que não entendiam. Percorrei toda a história eclesiástica, e ficarei convencido de que se a religião cristã tivesse conservado sua antiga simplicidade, se só tivesse exigido dos homens o conhecimento de Deus e o amor ao próximo, se não tivesse embaraçado o cristianismo com uma infinidade de superstições, que o tornaram, nos séculos seguintes, indigno de Deus na opinião dos sensatos, numa palavra, se se tivesse pregado aos homens tão somente um culto cujos primeiros fundamentos eles encontrassem em suas almas, eles nunca o teriam abandonado e não teriam quereladas após o ter admitido.” Na sua opinião, o homem se afasta radicalmente da verdade, isto é, em um sentido prejudicial, tanto para ele quanto para os demais, ainda quando passa a crer em divindades, ou apenas quando admite a necessidade de criar uma sociedade fundamentalmente baseada na crença? Em outras palavras, a fé é em si mesma perniciosa ou apenas quando se transforma em religião e passa a integrar as instituições?
Se analisarmos o que é a fé em si mesma, em termos funcionais, não poderemos dizer que ela é boa ou ruim em si mesma. A fé é basicamente uma crença de fundo emocional, portanto pouco flexível. Isso não é culpa da religião. Nosso cérebro emocional é assim, mais rudimentar, singelo, intransigente que nossa parte racional. Por tal razão, não podemos esperar que instituições baseadas no condicionamento dessa porção do cérebro sejam maravilhosamente flexíveis, pois elas estão atreladas à nossa biologia de uma maneira bastante fundamental.
Agora, veja que esse modo de enxergar as coisas não situa a religião de forma estanque, como um modo sui generis de conceber a realidade. Por exemplo, o modo como desenvolvemos confiança em outros indivíduos, como passamos a gostar de algum estilo musical, de algum novo hobby, é bastante parecido com o modo como desenvolvemos uma nova fé; não consigo ver uma coisa separada das demais. Pois bem, nessa ótica, a fé cumpre uma função em nossas vidas; ela pode ser útil ou prejudicial, e isso depende de como condicionamos nosso cérebro emocional. Não costuma haver muito problema enquanto a religiosidade se limita a questões subjetivas, como o sentido da vida, o valor da vida, a caridade etc.; acho que esse espaço existe porque a ciência nunca teve muito a dizer sobre o modo como devemos governar nossas vidas pessoais. Além disso, certas pessoas se sentem mais seguras se derivarem seus valores pessoais desse tipo de estrutura mais “profunda” do que simplesmente de um capricho pessoal; a meu ver, tudo bem.
Porém, quando esse modo de agir começa a competir no terreno do conhecimento, passamos a ter problemas, pois o cérebro emocional lida com o conhecimento não como algo aberto, transitório, discutível, que deve ser aperfeiçoado, mas como uma espécie de partido, ou time. As pessoas, nessa situação, param de buscar estar certas para buscar provar às demais que estão certas, mesmo que estejam completamente erradas, mesmo que isso envolva ignorar os fatos. Aqui temos nosso lado mais animal e primitivo se inserindo como representante do saber. Nessa situação, acho que a fé pode ser vista como ruim, e deve ter seu espaço, se não suprimido, ao menos limitado e vigiado, pois a fé sempre foi muito boa em forjar a aparência de racionalidade. A fé não sabe lidar com o fato de que todo conhecimento é provisório. Ela se apega a esboços e os faz dogmas, e isso não é bom, pois emperra o progresso do conhecimento.
ATEÍSMO, ÉTICA E POLÍTICA
Na atualidade não é raro nos depararmos com manifestações claramente ateístas, principalmente partindo de pessoas vinculadas a instituições importantes como a academia. Aqueles que receberam o sugestivo epíteto de “Cavaleiros do Apocalipse”, a saber, Dawkins , Hitchens , Dennett e Harris , por exemplo, ganham cada vez mais visibilidade da mídia por suas atividades. O fato é que isso, por mais contraditório que pareça, também gera desconforto aos que se dizem ateus; muitos alegam que o ateísmo não deve interferir na política, pois, segundo eles, uma vez feito isso, haveria uma legião de “novos ateus”, isto é, tão fundamentalistas quanto aqueles que são objeto de sua crítica. Logo no primeiro capítulo de Ateísmo & Liberdade, você dá a entender que a confusão a respeito da referida relação (ateísmo, ética e política) surge a partir do momento em que os sujeitos não sabem desvincular a posição ateísta de determinada pessoa da sua própria vida prática. Nos fale sobre isso.
Sempre fiz questão de deixar clara a separação entre ateísmo e vida prática. Devemos ser ateus porque deus não existe, e só. A princípio, essa não deveria sequer ser uma questão de escolha, assim como não se escolhe acreditar ou não no monte Everest. O monte existe, está lá; deus não existe, é mitologia. Deveria ser óbvio. Porém, no assunto deus, há uma grande força da tradição por detrás, então passa a ser natural abrirmos uma exceção em nossa estrutura cognitiva para acomodar apenas esse caso especial. Pois bem, isso explica por que não há lógica em tentar rechear o ateísmo com qualquer tipo de filosofia ou visão de mundo. O ateísmo não tem conteúdo, não diz nada, não representa nada, é apenas um nome. Claro que, no processo de defender-se, de justificar-se, o ateísmo acabou, por assim dizer, tomando o corpo de uma doutrina, mas ela é só um efeito colateral, uma coleção de macetes surgida da necessidade prática de defender-se numa sociedade majoritariamente religiosa, em que ateus se colocam do lado da ciência, tomando emprestado seu método para justificar sua descrença.
O que deve ficar claro é que, nesse processo, os ateus estão defendendo a si próprios, não o ateísmo. O ateísmo não diz nada, quem diz são os ateus, e eles não têm muita coisa em comum. Porém, como qualquer grupo, se se sentem incomodados, não vejo por que não deveriam poder ter suas liberdades pessoais garantidas com o mesmo rigor com que se protegem as liberdades religiosas. Ou seja, assim como ateus não podem interromper rituais religiosos simplesmente porque deus não existe, faz sentido que religiosos não possam interferir naquilo que é importante para os ateus. Mas que coisas seriam essas? Não fica muito claro em nome de que se pode lutar, senão por uma espécie de tolerância genérica em relação aos descrentes, o tipo de coisa que permitirá que se integrem lentamente ao tecido estrutural de nossa cultura como algo comum, tornando o ateísmo uma escolha trivial, assim como se tornou trivial a escolha da própria sexualidade.
METAFÍSICA
Há uma atitude recorrente em seus livros, que consiste em apontar a capacidade de os indivíduos se enganarem ao pensarem a si mesmos como “especiais”. Na ciência, encontramos os neurocientistas, por exemplo, procurando fornecer respostas concretas a respeito do funcionamento do nosso cérebro, e, consequentemente, quando fazem isso com sucesso, eliminam nossas concepções equivocadas a respeito de eventos como velhice, morte, etc. Passando para o âmbito religioso, é evidente que as instituições religiosas contribuem fortemente para a perpetuação de “mitos” relacionados a esses assuntos. Na sua opinião, as ciências e os segmentos científicos modernos são capazes de um dia enterrar de vez a referência ao sobrenatural, ao “metafísico”? E ainda: como você, enquanto mantenedor do maior site de ateísmo de um dos países mais católicos do mundo, pensa a contribuição do ateísmo para que isso ocorra?
Não há referência alguma ao sobrenatural em nosso conhecimento moderno. Já entendemos bastante bem nossa biologia, entendemos como se formaram os planetas, entendemos que a matéria que hoje faz nossos corpos foi forjada no interior de estrelas, e isso não é simplesmente mais uma ótica, são os fatos; podemos provar que é assim, e isso basicamente finaliza o assunto. Se o grosso de nossa cultura não foi capaz de acompanhar os passos do conhecimento moderno, essa já é uma questão distinta, não um argumento em favor de medievalismos. O que quero dizer é que a referência ao sobrenatural só sobrevive nas porções mais atrasadas de nossa cultura, baseadas em modelos bastante ultrapassados da realidade. Deus faz parte do senso comum como uma espécie de princípio explicativo antiquado, mas ainda bastante difundido. É como gasolina: sabemos que é ineficiente, que polui, que há alternativas mais limpas e inteligentes, mas é difícil mudar, pois seu uso se encontra profundamente consolidado. Assim como a gasolina, Deus é algo obsoleto, mas que funciona bem o suficiente para não nos darmos ao trabalho de mudar até que haja motivos suficientemente bons.
OS SÍMBOLOS E O IMAGINÁRIO SOCIAL
Sei que você, assim como eu, se interessa muito por filosofia. Emil Cioran , em sua obra Silogismos da amargura , formula a seguinte sentença: “Há dois mil anos que Jesus se vinga de nós por não ter morrido num sofá.” Chega a ser cômico o deboche do autor para com um desses símbolos mais famosos da história, mas o fato é que Cioran atenta para a extrema relação que mantemos com os símbolos e como eles integram o chamado “imaginário social”. Na sua opinião, por que as pessoas sentem tanta necessidade de símbolos, como Jesus Cristo? E por que eles exercem tanto poder sobre o imaginário social?
Símbolos nos dão segurança, são uma forma de justificarmos nossos costumes, ainda que de maneira circular. Até certo ponto, nós somos conscientes de que precisamos nos adestrar, condicionar nosso universo emocional para que ele corresponda às nossas expectativas e nos permita viver como desejamos. A religião cumpre exatamente esse papel. Assim, apesar de sabermos que a vida não tem sentido, que ela é simplesmente um acaso, e que qualquer ressalva que fizermos a esse respeito não será mais que o desespero de uma vaidade infantil, sabemos também que pensar dessa maneira é altamente desmotivador. Ou seja, mesmo que isso seja verdade, trata-se de uma verdade que atrapalha nossa vida prática, e é aqui que começamos a perceber a importância de relativizarmos a objetividade de nosso conhecimento, mesmo porque, se não estivéssemos dispostos a negociar nesse particular, acabaríamos morrendo de fome, porque não há motivos objetivos para nos alimentarmos, apenas instintos esculpidos por pressões seletivas ao longo das gerações.
Bem, isso nos permite perceber que nossa vida intelectual e nossa vida prática são regidas por regras distintas, sendo óbvio que a religião só diz respeito à prática. Tendo isso em mente, pensemos, por exemplo, na razão pela qual o deus do cristianismo é ao mesmo tempo perfeito e humano. Claro que, racionalmente, isso é um absurdo, mas aqui isso não importa. O importante é que essa é uma ideia motivante, eleita por seu valor simbólico. Ninguém recorre à religião porque quer estar certo, mas porque quer sentir que está certo. São coisas distintas. Retomando então a pergunta, penso que os símbolos são uma forma que encontramos de legitimar esse distanciamento da verdade com fins práticos.
SOBRE A SITUAÇÃO DOS ATEUS NO BRASIL
No ano passado, Idelber Abelar, professor universitário e ateu declarado, movimentou a blogosfera brasileira quando conclamou os ateus a saírem do armário . Na época, algumas pessoas defenderam que a polêmica levantada pelo autor não pertencia à realidade brasileira. O que você pensa a respeito? Os ateus sofrem preconceito e discriminação? O debate público está ganhando forma ou é quase inexistente? Em suma, qual é a real situação dos ateus hoje no Brasil?
Bem, não tenho muito a dizer a esse respeito. Penso apenas que se ficarmos aguardando pela chegada de um mundo melhor para começarmos a nos preocupar em ser aceitos, isso não vai acontecer nunca.
.
http://ateus.net/artigos/entrevistas/entrevista-com-andre-cancian/
André Díspore Cancian, 28 anos, ateu desde os 14, nasceu em Catanduva-SP. Autodidata declarado, frequentou clássicos da filosofia, ciência e psicologia, e é figura manjada na web brasileira, na qual se notorizou como editor do site Ateus.net, endereço que reúne uma enorme quantidade de artigos e vídeos de alta qualidade. Em 2002, publicou por conta própria a obra Ateísmo & Liberdade, de 300 páginas, atualmente na sexta edição. Em entrevista ao Amálgama , ele fala deste e de seu outro livro (O vazio da máquina), de seus projetos na rede e de filosofia.
.
APRESENTAÇÃO
Amálgama: André, como consta na própria descrição do site, o Ateus.net foi criado em 1999. Fale-nos um pouco sobre a história dele, os motivos que te levaram a fundá-lo, o que mudou até então, como é a recepção do conteúdo do site da parte de ateus e por religiosos. E o Ateísmo & Liberdade, é uma extensão do trabalho que você vem realizando no site? O que podemos encontrar nele?
André Cancian: Quando criei o site, a intenção era construir uma biblioteca com os melhores textos que já houvesse lido sobre o assunto. Tais materiais são fáceis de encontrar, mas ficam dispersos, sendo trabalhoso localizar leituras de qualidade sem estar familiarizado com a bibliografia do assunto, então resolvi reuni-las. Esse é o tipo de coisa que gostaria de ter tido a oportunidade de usufruir quando comecei a ler sobre o assunto. Porém, como não a encontrei, então a criei. O site sempre foi, e ainda é, centralizado nessa estrutura. O que mudou desde então foi que o conteúdo não é mais o único foco; agora o site também foca o diálogo entre os visitantes. Para tal fim foi criada uma comunidade chamada ateus.network, na qual os visitantes podem interagir, não ficando mais limitados ao recebimento de informações. Isso resume bem a ideia e história do site. Sobre o livro que escrevi, bem, ele aborda os mesmos assuntos do site e, em minha opinião, não acrescenta muito ao seu conteúdo, apenas está mais bem organizado, explicando os assuntos de maneira mais didática. Assim, se alguém ler todos os textos do site ou o livro, penso que o resultado será virtualmente o mesmo.
VERDADE, FÉ E RELIGIÃO
Sobre a relação entre a verdade, a fé e a religião, Denis Diderot tem uma citação no ensaio O passeio do cético , a que faço referência agora apenas para efeito de ilustração: “Os homens praticamente mataram uns aos outros por causa de coisas que não entendiam. Percorrei toda a história eclesiástica, e ficarei convencido de que se a religião cristã tivesse conservado sua antiga simplicidade, se só tivesse exigido dos homens o conhecimento de Deus e o amor ao próximo, se não tivesse embaraçado o cristianismo com uma infinidade de superstições, que o tornaram, nos séculos seguintes, indigno de Deus na opinião dos sensatos, numa palavra, se se tivesse pregado aos homens tão somente um culto cujos primeiros fundamentos eles encontrassem em suas almas, eles nunca o teriam abandonado e não teriam quereladas após o ter admitido.” Na sua opinião, o homem se afasta radicalmente da verdade, isto é, em um sentido prejudicial, tanto para ele quanto para os demais, ainda quando passa a crer em divindades, ou apenas quando admite a necessidade de criar uma sociedade fundamentalmente baseada na crença? Em outras palavras, a fé é em si mesma perniciosa ou apenas quando se transforma em religião e passa a integrar as instituições?
Se analisarmos o que é a fé em si mesma, em termos funcionais, não poderemos dizer que ela é boa ou ruim em si mesma. A fé é basicamente uma crença de fundo emocional, portanto pouco flexível. Isso não é culpa da religião. Nosso cérebro emocional é assim, mais rudimentar, singelo, intransigente que nossa parte racional. Por tal razão, não podemos esperar que instituições baseadas no condicionamento dessa porção do cérebro sejam maravilhosamente flexíveis, pois elas estão atreladas à nossa biologia de uma maneira bastante fundamental.
Agora, veja que esse modo de enxergar as coisas não situa a religião de forma estanque, como um modo sui generis de conceber a realidade. Por exemplo, o modo como desenvolvemos confiança em outros indivíduos, como passamos a gostar de algum estilo musical, de algum novo hobby, é bastante parecido com o modo como desenvolvemos uma nova fé; não consigo ver uma coisa separada das demais. Pois bem, nessa ótica, a fé cumpre uma função em nossas vidas; ela pode ser útil ou prejudicial, e isso depende de como condicionamos nosso cérebro emocional. Não costuma haver muito problema enquanto a religiosidade se limita a questões subjetivas, como o sentido da vida, o valor da vida, a caridade etc.; acho que esse espaço existe porque a ciência nunca teve muito a dizer sobre o modo como devemos governar nossas vidas pessoais. Além disso, certas pessoas se sentem mais seguras se derivarem seus valores pessoais desse tipo de estrutura mais “profunda” do que simplesmente de um capricho pessoal; a meu ver, tudo bem.
Porém, quando esse modo de agir começa a competir no terreno do conhecimento, passamos a ter problemas, pois o cérebro emocional lida com o conhecimento não como algo aberto, transitório, discutível, que deve ser aperfeiçoado, mas como uma espécie de partido, ou time. As pessoas, nessa situação, param de buscar estar certas para buscar provar às demais que estão certas, mesmo que estejam completamente erradas, mesmo que isso envolva ignorar os fatos. Aqui temos nosso lado mais animal e primitivo se inserindo como representante do saber. Nessa situação, acho que a fé pode ser vista como ruim, e deve ter seu espaço, se não suprimido, ao menos limitado e vigiado, pois a fé sempre foi muito boa em forjar a aparência de racionalidade. A fé não sabe lidar com o fato de que todo conhecimento é provisório. Ela se apega a esboços e os faz dogmas, e isso não é bom, pois emperra o progresso do conhecimento.
ATEÍSMO, ÉTICA E POLÍTICA
Na atualidade não é raro nos depararmos com manifestações claramente ateístas, principalmente partindo de pessoas vinculadas a instituições importantes como a academia. Aqueles que receberam o sugestivo epíteto de “Cavaleiros do Apocalipse”, a saber, Dawkins , Hitchens , Dennett e Harris , por exemplo, ganham cada vez mais visibilidade da mídia por suas atividades. O fato é que isso, por mais contraditório que pareça, também gera desconforto aos que se dizem ateus; muitos alegam que o ateísmo não deve interferir na política, pois, segundo eles, uma vez feito isso, haveria uma legião de “novos ateus”, isto é, tão fundamentalistas quanto aqueles que são objeto de sua crítica. Logo no primeiro capítulo de Ateísmo & Liberdade, você dá a entender que a confusão a respeito da referida relação (ateísmo, ética e política) surge a partir do momento em que os sujeitos não sabem desvincular a posição ateísta de determinada pessoa da sua própria vida prática. Nos fale sobre isso.
Sempre fiz questão de deixar clara a separação entre ateísmo e vida prática. Devemos ser ateus porque deus não existe, e só. A princípio, essa não deveria sequer ser uma questão de escolha, assim como não se escolhe acreditar ou não no monte Everest. O monte existe, está lá; deus não existe, é mitologia. Deveria ser óbvio. Porém, no assunto deus, há uma grande força da tradição por detrás, então passa a ser natural abrirmos uma exceção em nossa estrutura cognitiva para acomodar apenas esse caso especial. Pois bem, isso explica por que não há lógica em tentar rechear o ateísmo com qualquer tipo de filosofia ou visão de mundo. O ateísmo não tem conteúdo, não diz nada, não representa nada, é apenas um nome. Claro que, no processo de defender-se, de justificar-se, o ateísmo acabou, por assim dizer, tomando o corpo de uma doutrina, mas ela é só um efeito colateral, uma coleção de macetes surgida da necessidade prática de defender-se numa sociedade majoritariamente religiosa, em que ateus se colocam do lado da ciência, tomando emprestado seu método para justificar sua descrença.
O que deve ficar claro é que, nesse processo, os ateus estão defendendo a si próprios, não o ateísmo. O ateísmo não diz nada, quem diz são os ateus, e eles não têm muita coisa em comum. Porém, como qualquer grupo, se se sentem incomodados, não vejo por que não deveriam poder ter suas liberdades pessoais garantidas com o mesmo rigor com que se protegem as liberdades religiosas. Ou seja, assim como ateus não podem interromper rituais religiosos simplesmente porque deus não existe, faz sentido que religiosos não possam interferir naquilo que é importante para os ateus. Mas que coisas seriam essas? Não fica muito claro em nome de que se pode lutar, senão por uma espécie de tolerância genérica em relação aos descrentes, o tipo de coisa que permitirá que se integrem lentamente ao tecido estrutural de nossa cultura como algo comum, tornando o ateísmo uma escolha trivial, assim como se tornou trivial a escolha da própria sexualidade.
METAFÍSICA
Há uma atitude recorrente em seus livros, que consiste em apontar a capacidade de os indivíduos se enganarem ao pensarem a si mesmos como “especiais”. Na ciência, encontramos os neurocientistas, por exemplo, procurando fornecer respostas concretas a respeito do funcionamento do nosso cérebro, e, consequentemente, quando fazem isso com sucesso, eliminam nossas concepções equivocadas a respeito de eventos como velhice, morte, etc. Passando para o âmbito religioso, é evidente que as instituições religiosas contribuem fortemente para a perpetuação de “mitos” relacionados a esses assuntos. Na sua opinião, as ciências e os segmentos científicos modernos são capazes de um dia enterrar de vez a referência ao sobrenatural, ao “metafísico”? E ainda: como você, enquanto mantenedor do maior site de ateísmo de um dos países mais católicos do mundo, pensa a contribuição do ateísmo para que isso ocorra?
Não há referência alguma ao sobrenatural em nosso conhecimento moderno. Já entendemos bastante bem nossa biologia, entendemos como se formaram os planetas, entendemos que a matéria que hoje faz nossos corpos foi forjada no interior de estrelas, e isso não é simplesmente mais uma ótica, são os fatos; podemos provar que é assim, e isso basicamente finaliza o assunto. Se o grosso de nossa cultura não foi capaz de acompanhar os passos do conhecimento moderno, essa já é uma questão distinta, não um argumento em favor de medievalismos. O que quero dizer é que a referência ao sobrenatural só sobrevive nas porções mais atrasadas de nossa cultura, baseadas em modelos bastante ultrapassados da realidade. Deus faz parte do senso comum como uma espécie de princípio explicativo antiquado, mas ainda bastante difundido. É como gasolina: sabemos que é ineficiente, que polui, que há alternativas mais limpas e inteligentes, mas é difícil mudar, pois seu uso se encontra profundamente consolidado. Assim como a gasolina, Deus é algo obsoleto, mas que funciona bem o suficiente para não nos darmos ao trabalho de mudar até que haja motivos suficientemente bons.
OS SÍMBOLOS E O IMAGINÁRIO SOCIAL
Sei que você, assim como eu, se interessa muito por filosofia. Emil Cioran , em sua obra Silogismos da amargura , formula a seguinte sentença: “Há dois mil anos que Jesus se vinga de nós por não ter morrido num sofá.” Chega a ser cômico o deboche do autor para com um desses símbolos mais famosos da história, mas o fato é que Cioran atenta para a extrema relação que mantemos com os símbolos e como eles integram o chamado “imaginário social”. Na sua opinião, por que as pessoas sentem tanta necessidade de símbolos, como Jesus Cristo? E por que eles exercem tanto poder sobre o imaginário social?
Símbolos nos dão segurança, são uma forma de justificarmos nossos costumes, ainda que de maneira circular. Até certo ponto, nós somos conscientes de que precisamos nos adestrar, condicionar nosso universo emocional para que ele corresponda às nossas expectativas e nos permita viver como desejamos. A religião cumpre exatamente esse papel. Assim, apesar de sabermos que a vida não tem sentido, que ela é simplesmente um acaso, e que qualquer ressalva que fizermos a esse respeito não será mais que o desespero de uma vaidade infantil, sabemos também que pensar dessa maneira é altamente desmotivador. Ou seja, mesmo que isso seja verdade, trata-se de uma verdade que atrapalha nossa vida prática, e é aqui que começamos a perceber a importância de relativizarmos a objetividade de nosso conhecimento, mesmo porque, se não estivéssemos dispostos a negociar nesse particular, acabaríamos morrendo de fome, porque não há motivos objetivos para nos alimentarmos, apenas instintos esculpidos por pressões seletivas ao longo das gerações.
Bem, isso nos permite perceber que nossa vida intelectual e nossa vida prática são regidas por regras distintas, sendo óbvio que a religião só diz respeito à prática. Tendo isso em mente, pensemos, por exemplo, na razão pela qual o deus do cristianismo é ao mesmo tempo perfeito e humano. Claro que, racionalmente, isso é um absurdo, mas aqui isso não importa. O importante é que essa é uma ideia motivante, eleita por seu valor simbólico. Ninguém recorre à religião porque quer estar certo, mas porque quer sentir que está certo. São coisas distintas. Retomando então a pergunta, penso que os símbolos são uma forma que encontramos de legitimar esse distanciamento da verdade com fins práticos.
SOBRE A SITUAÇÃO DOS ATEUS NO BRASIL
No ano passado, Idelber Abelar, professor universitário e ateu declarado, movimentou a blogosfera brasileira quando conclamou os ateus a saírem do armário . Na época, algumas pessoas defenderam que a polêmica levantada pelo autor não pertencia à realidade brasileira. O que você pensa a respeito? Os ateus sofrem preconceito e discriminação? O debate público está ganhando forma ou é quase inexistente? Em suma, qual é a real situação dos ateus hoje no Brasil?
Bem, não tenho muito a dizer a esse respeito. Penso apenas que se ficarmos aguardando pela chegada de um mundo melhor para começarmos a nos preocupar em ser aceitos, isso não vai acontecer nunca.
.
http://ateus.net/artigos/entrevistas/entrevista-com-andre-cancian/
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Professor é preso suspeito de roubar para comprar crack em SP
Um professor universitário de 42 anos foi preso sob suspeita de roubar a bolsa de uma mulher na praça Campo de Bagatelle, em Santana, zona norte de São Paulo, por volta das 18h30 de terça-feira (20).
Policiais civis passavam pela rua, quando viram um homem roubando a bolsa de uma mulher de 50 anos. Os policiais perseguiram Cassiano Bier Ghion e encontraram com ele a bolsa da vítima e uma pedaço de vidro, que foi usado para abordar a vítima.
Ele disse aos policiais que é formado em Ciência da Computação e que dava aulas em universidades do Rio Grande do Sul, antes de se tornar dependente químico.
Em depoimento ao "SPTV", da Rede Globo, Ghion confirmou ser viciado em droga. Segundo a polícia, o homem queria dinheiro para comprar pedra de crack.
"Gastar 9 mil reais em drogas em 15 dias. 7 dias sem comer e sem dormi. Me encontro pela primeira vez na vida dentro de uma delegacia, preso por roubo, por vontade de usar mais porque meu dinheiro tinha acabado", disse Ghion ao jornal.
Ghion está preso em uma cadeia comum no 72º DP, segundo a polícia, porque ele ainda não apresentou o diploma universitário para ser encaminhado a uma cadeia especial.
.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1024347-professor-e-preso-suspeito-de-roubar-para-comprar-crack-em-sp.shtml
Policiais civis passavam pela rua, quando viram um homem roubando a bolsa de uma mulher de 50 anos. Os policiais perseguiram Cassiano Bier Ghion e encontraram com ele a bolsa da vítima e uma pedaço de vidro, que foi usado para abordar a vítima.
Ele disse aos policiais que é formado em Ciência da Computação e que dava aulas em universidades do Rio Grande do Sul, antes de se tornar dependente químico.
Em depoimento ao "SPTV", da Rede Globo, Ghion confirmou ser viciado em droga. Segundo a polícia, o homem queria dinheiro para comprar pedra de crack.
"Gastar 9 mil reais em drogas em 15 dias. 7 dias sem comer e sem dormi. Me encontro pela primeira vez na vida dentro de uma delegacia, preso por roubo, por vontade de usar mais porque meu dinheiro tinha acabado", disse Ghion ao jornal.
Ghion está preso em uma cadeia comum no 72º DP, segundo a polícia, porque ele ainda não apresentou o diploma universitário para ser encaminhado a uma cadeia especial.
.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1024347-professor-e-preso-suspeito-de-roubar-para-comprar-crack-em-sp.shtml
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Cientistas brasileiros reconstroem rosto digital a partir de crânio
.
Uma dupla conseguiu o que, até agora, não passava de ficção científica no Brasil: reconstruir digitalmente a aparência de um rosto a partir do formato do crânio.
O trabalho, divulgado na revista "Unesp Ciência", está restrito ao laboratório, mas os cientistas dizem que ele tem potencial para ser difundido, ajudando a identificar corpos quando não houver outras pistas.
.
A técnica localiza 21 pontos específicos no crânio -os chamados pontos craniométricos- e atribui a eles uma determinada espessura cutânea. É como se os cientistas ficassem com uma "receita" para preencher a pele e modelar o rosto.
A técnica faz parte de um sonho antigo de Clemente Maia da Silva Fernandes, que apresentou parte do projeto em seu doutorado em odontologia na USP.
"A reconstrução facial pode ajudar a esclarecer casos em que a polícia não tem por onde começar. A imagem do rosto recriado poderia circular por delegacias, hospitais, ou mesmo ser divulgada na mídia. Uma família que procura alguém teria mais chances de sucesso."
A primeira reconstrução, no entanto, foi feita com uma pessoa ainda bem viva: a outra cientista responsável pelo trabalho, Mônica da Costa Serra, da Faculdade de Odontologia de Araraquara - Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Para começar o trabalho, os cientistas tiveram de obter um "molde" do crânio da professora. Esse processo começa com um exame de tomografia computadorizada.
Como em outras imagens médicas, a imagem gerada pelo exame é, na verdade, a união de várias pequenas "fatias" da área escaneada.
Os cientistas usam um software para reconstruir e juntar essas fatias.
Depois, porém, todos os tecidos moles (como as bochechas) são removidos das imagens, para simular ao máximo uma situação real.
A imagem é enviada a um programa que faz a modelagem 3D do crânio. Um técnico treinado, então, aplica sobre esse crânio as informações da tabela e o rosto é, finalmente, reconstruído.
Depois de todo esse processo, os cientistas podem imprimir o resultado em gesso em uma impressora 3D.
Em um primeiro trabalho, testes com 30 voluntários indicaram que 26,67% identificaram o rosto de Serra e em meio a fotos de outras mulheres entre 30 e 50 anos. Outros dois rostos, porém, foram bastante apontados pelos voluntários como sendo da pesquisadora. O resultado, contudo, foi considerado positivo pela dupla.
"Sair de um universo sem nenhuma pista do morto para um limitado a três possíveis candidatos, é bastante significativo", diz Serra, que ressalta que a confirmação terá de vir por dados odontológicos e material genético.
O trabalho dos dois cientistas, porém, esbarra num problema de logística: a ausência de um laboratório em Araraquara, na Odontologia da Unesp. Todos os testes são realizados no CTI (Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer), em Campinas, que cede suas instalações e o uso dos softwares, onde ambos são pesquisadores associados.
Apesar das dificuldades, os cientistas continuam com as pesquisas. Em observações preliminares, eles viram que sucesso no reconhecimento aumenta quando as pessoas têm acesso ao protótipo de gesso, e não apenas à imagem na tela. "Estamos investigando isso", diz Fernandes
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1022741-cientistas-brasileiros-reconstroem-rosto-digital-a-partir-de-cranio.shtml
Cobras ajudaram a moldar evolução do homem, diz estudo
.
Dois cientistas americanos cotejaram uma massa impressionante de dados para mostrar que o embate entre cobras e primatas ajudou a moldar a evolução humana.
A situação é mais complicada do que o clichê "ofídios malvados, humanos picados".
O estudo, na revista "PNAS", sugere que as serpentes interagem de três jeitos com primatas como nós: como predadoras, competidoras e presas.
A hipótese é de Thomas Headland, do Summer Institute of Linguistics, e Harry Greene, da Universidade Cornell. Headland, antropólogo, reuniu relatos do povo agta, caçadores-coletores das Filipinas que, nos anos 1970, ainda tinham estilo de vida parecido com o dos primeiros Homo sapiens.
.
Um dos vizinhos dos agtas é a píton-reticulada, cujas fêmeas ultrapassam os sete metros e têm quase 100 kg. Mais de um quarto dos homens agtas foi atacado pelos répteis ao longo da vida. As pítons se banqueteiam com animais caçados pelos agtas, como porcos-selvagens. E, quando podem, os caçadores-coletores devolvem a gentileza, comendo as serpentes.
A situação é a mesma com primatas não humanos. Dezenas de espécies do nosso grupo de mamíferos são comidas por cobras e também devoram serpentes quando têm chance, além de capturar animais que fazem parte do menu dos ofídios.
Para os pesquisadores, isso indica que a interação com esses répteis foi importante na evolução humana.
"Não duvido que haja uma herança genética que explique a interação entre primatas e serpentes, mas, no caso da nossa espécie, acredito que o fator cultural prevaleça, em especial a ignorância sobre elas", diz Henrique Caldeira Costa, da Universidade Federal de Viçosa.
O especialista em répteis lembra que não há comprovação de mortes causadas por sucuris, maiores cobras brasileiras. "É possível que uma sucuri devore um humano? Sim, mas o risco é pequeno."
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1023177-cobras-ajudaram-a-moldar-evolucao-do-homem-diz-estudo.shtml
Dois cientistas americanos cotejaram uma massa impressionante de dados para mostrar que o embate entre cobras e primatas ajudou a moldar a evolução humana.
A situação é mais complicada do que o clichê "ofídios malvados, humanos picados".
O estudo, na revista "PNAS", sugere que as serpentes interagem de três jeitos com primatas como nós: como predadoras, competidoras e presas.
A hipótese é de Thomas Headland, do Summer Institute of Linguistics, e Harry Greene, da Universidade Cornell. Headland, antropólogo, reuniu relatos do povo agta, caçadores-coletores das Filipinas que, nos anos 1970, ainda tinham estilo de vida parecido com o dos primeiros Homo sapiens.
.
Um dos vizinhos dos agtas é a píton-reticulada, cujas fêmeas ultrapassam os sete metros e têm quase 100 kg. Mais de um quarto dos homens agtas foi atacado pelos répteis ao longo da vida. As pítons se banqueteiam com animais caçados pelos agtas, como porcos-selvagens. E, quando podem, os caçadores-coletores devolvem a gentileza, comendo as serpentes.
A situação é a mesma com primatas não humanos. Dezenas de espécies do nosso grupo de mamíferos são comidas por cobras e também devoram serpentes quando têm chance, além de capturar animais que fazem parte do menu dos ofídios.
Para os pesquisadores, isso indica que a interação com esses répteis foi importante na evolução humana.
"Não duvido que haja uma herança genética que explique a interação entre primatas e serpentes, mas, no caso da nossa espécie, acredito que o fator cultural prevaleça, em especial a ignorância sobre elas", diz Henrique Caldeira Costa, da Universidade Federal de Viçosa.
O especialista em répteis lembra que não há comprovação de mortes causadas por sucuris, maiores cobras brasileiras. "É possível que uma sucuri devore um humano? Sim, mas o risco é pequeno."
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1023177-cobras-ajudaram-a-moldar-evolucao-do-homem-diz-estudo.shtml
Fundamentalismo Judeu - Mulher israelense reage à imposição de judeus ultraortodoxos
Tanya virou símbolo de luta
contra discriminação religiosa
.
Uma mulher israelense negou-se a ceder às imposições de ultraortodoxos que queriam obrigá-la a ficar na parte traseira de um ônibus e tornou-se símbolo da luta contra a segregação das mulheres em áreas religiosas do país.
Na última sexta-feira, a engenheira Tanya Rosenblit (foto), 28 anos, tomou um ônibus em sua cidade, Ashdod (sul de Israel), com destino a Jerusalém.
Como sabia que o ônibus passava por bairros religiosos, ela diz ter tomado a precaução de vestir-se de "maneira modesta", para não irritar os demais passageiros.
Tanya diz que, logo depois de sentar-se atrás do motorista, vários homens ultraortodoxos começaram a xingá-la, mandando-a se deslocar para a parte traseira.
"Disse a eles que não estava fazendo nenhuma provocação, e que, se tratando de um ônibus público, todos os cidadãos têm o direito de viajar nele", afirmou Rosenblit.
"Também lhes disse que comprei minha passagem exatamente como eles e que não tinham o direito de me dizer onde sentar."
Os homens afirmavam, segundo a engenheira, que "não poderiam sentar atrás de mulheres" no veículo.
Em Israel, existem 70 linhas de ônibus, predominantemente utilizadas por ultraortodoxos, nas quais é praticada a separação entre homens, que ficam na parte dianteira, e mulheres, que ficam na parte de trás do veículo.
Apesar de protestos de grupos feministas e de grupos de direitos humanos, o fenômeno tornou-se comum em várias regiões do país.
O motorista acabou chamando a polícia, que também tentou convencer a mulher a se deslocar para a parte traseira.Devido à resistência de Rosenblit, os homens impediram o ônibus de prosseguir sua viagem.
Após a discussão, os policiais instruíram o motorista a prosseguir e disseram que quem não concordasse com a decisão "poderia descer do ônibus". Vários dos passageiros ultraortodoxos saíram do veículo, e o ônibus finalmente partiu para Jerusalém.
Depois que a engenheira divulgou a história no Facebook, o incidente rapidamente virou notícia nos principais veículos de comunicação no país.
A imprensa comparou Tanya à ativista americana Rosa Parks, que, em 1955, negou-se a ceder seu lugar no ônibus a um branco, episódio que virou símbolo da luta contra a segregação racial nos Estados Unidos.
A história de Tanya ocorre em meio a uma polêmica crescente em Israel, causada pela exclusão das mulheres de espaços públicos, imposta por ultraortodoxos.
Em Jerusalém, onde grande parte da população é religiosa, não se vê mulheres em outdoors, nem mesmo em propagandas de roupas femininas.
Várias estações de rádio religiosas não transmitem vozes femininas cantando, pois, segundo os preceitos ultraortodoxos, a mulher tem uma voz "obscena", podendo cantar apenas dentro de sua própria casa.
Algumas estações de rádio também pararam de transmitir vozes de mulheres falando.
Na semana passada, homens ultraortodoxos impediram mulheres de participar em uma eleição de lideranças comunitárias, no bairro religioso de Mea Shearim.
Depois que a história de Tanya Rosenblit chegou à mídia, a questão da segregação das mulheres foi discutida na reunião semanal do gabinete israelense.
O primeiro ministro, Binyamin Netanyahu, declarou que "o espaço público deve permanecer aberto e seguro para todos os cidadãos".
'Israel tem de decidir: ser país democrático ou país judeu religioso'.
outubro de 2011
Casos de fanatismo religioso.
.
http://www.paulopes.com.br/2011/12/mulher-israelense-reage-imposicao-de.html
contra discriminação religiosa
.
Uma mulher israelense negou-se a ceder às imposições de ultraortodoxos que queriam obrigá-la a ficar na parte traseira de um ônibus e tornou-se símbolo da luta contra a segregação das mulheres em áreas religiosas do país.
Na última sexta-feira, a engenheira Tanya Rosenblit (foto), 28 anos, tomou um ônibus em sua cidade, Ashdod (sul de Israel), com destino a Jerusalém.
Como sabia que o ônibus passava por bairros religiosos, ela diz ter tomado a precaução de vestir-se de "maneira modesta", para não irritar os demais passageiros.
Tanya diz que, logo depois de sentar-se atrás do motorista, vários homens ultraortodoxos começaram a xingá-la, mandando-a se deslocar para a parte traseira.
"Disse a eles que não estava fazendo nenhuma provocação, e que, se tratando de um ônibus público, todos os cidadãos têm o direito de viajar nele", afirmou Rosenblit.
"Também lhes disse que comprei minha passagem exatamente como eles e que não tinham o direito de me dizer onde sentar."
Os homens afirmavam, segundo a engenheira, que "não poderiam sentar atrás de mulheres" no veículo.
Em Israel, existem 70 linhas de ônibus, predominantemente utilizadas por ultraortodoxos, nas quais é praticada a separação entre homens, que ficam na parte dianteira, e mulheres, que ficam na parte de trás do veículo.
Apesar de protestos de grupos feministas e de grupos de direitos humanos, o fenômeno tornou-se comum em várias regiões do país.
O motorista acabou chamando a polícia, que também tentou convencer a mulher a se deslocar para a parte traseira.Devido à resistência de Rosenblit, os homens impediram o ônibus de prosseguir sua viagem.
Após a discussão, os policiais instruíram o motorista a prosseguir e disseram que quem não concordasse com a decisão "poderia descer do ônibus". Vários dos passageiros ultraortodoxos saíram do veículo, e o ônibus finalmente partiu para Jerusalém.
Depois que a engenheira divulgou a história no Facebook, o incidente rapidamente virou notícia nos principais veículos de comunicação no país.
A imprensa comparou Tanya à ativista americana Rosa Parks, que, em 1955, negou-se a ceder seu lugar no ônibus a um branco, episódio que virou símbolo da luta contra a segregação racial nos Estados Unidos.
A história de Tanya ocorre em meio a uma polêmica crescente em Israel, causada pela exclusão das mulheres de espaços públicos, imposta por ultraortodoxos.
Em Jerusalém, onde grande parte da população é religiosa, não se vê mulheres em outdoors, nem mesmo em propagandas de roupas femininas.
Várias estações de rádio religiosas não transmitem vozes femininas cantando, pois, segundo os preceitos ultraortodoxos, a mulher tem uma voz "obscena", podendo cantar apenas dentro de sua própria casa.
Algumas estações de rádio também pararam de transmitir vozes de mulheres falando.
Na semana passada, homens ultraortodoxos impediram mulheres de participar em uma eleição de lideranças comunitárias, no bairro religioso de Mea Shearim.
Depois que a história de Tanya Rosenblit chegou à mídia, a questão da segregação das mulheres foi discutida na reunião semanal do gabinete israelense.
O primeiro ministro, Binyamin Netanyahu, declarou que "o espaço público deve permanecer aberto e seguro para todos os cidadãos".
'Israel tem de decidir: ser país democrático ou país judeu religioso'.
outubro de 2011
Casos de fanatismo religioso.
.
http://www.paulopes.com.br/2011/12/mulher-israelense-reage-imposicao-de.html
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Governo dos EUA aceita restringir pesquisas com chimpanzés
O NIH, principal órgão de fomento à pesquisa biomédica dos Estados Unidos, decidiu que vai congelar novos pedidos de financiamento para estudos que usem chimpanzés como cobaias.
A moratória ficará em vigor até que o NIH implemente um conjunto de novas diretrizes éticas, divulgado ontem. As regras devem acabar com pelo menos metade dos 27 estudos desse tipo que ainda envolvem chimpanzés nos EUA, único país do mundo em que a prática ocorre.
O novo documento, produzido pelo IOM (Instituto de Medicina), argumenta que a proximidade evolutiva de chimpanzés e seres humanos tem implicações éticas. O levantamento foi feito a pedido do próprio NIH.
"Nós fomos encarregados de avaliar se as pesquisas com chimpanzés são necessárias, e não apenas se são úteis ou importantes", disse Jeffrey Kahn, líder do comitê do IOM. "Todos estavam cientes de que esses estudos têm um custo moral."
O comitê pede que procedimentos invasivos (como infectar um chimpanzé com um vírus) só sejam permitidos se cumprirem três critérios.
O estudo da doença em questão não pode contar com técnicas alternativas, como teste em ratos; a pesquisa deve ser impossível de conduzir de maneira ética em humanos; e o uso de chimpanzés deve ser crucial para o avanço no tratamento de doenças graves.
A maior parte dos estudos que usa chimpanzés tem como meta a criação de vacinas contra a hepatite C, doença que, além do homem, só infecta esses primatas. Pesquisas para prevenir essa infecção são as únicas com boa chance de se qualificar para usar os macacos.
Mas foi por pouco. Nesse ponto, os cientistas não obtiveram consenso e empataram em 5 a 5 numa votação -metade queria banir também esse tipo de investigação. "Debatemos muito se isso não retardaria o sucesso das pesquisas", diz Warner Greene, outro membro do comitê.
Para muitas doenças, como Aids e malária, os chimpanzés acabaram se mostrando cobaias inadequadas.
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1021838-governo-dos-eua-aceita-restringir-pesquisas-com-chimpanzes.shtml
A moratória ficará em vigor até que o NIH implemente um conjunto de novas diretrizes éticas, divulgado ontem. As regras devem acabar com pelo menos metade dos 27 estudos desse tipo que ainda envolvem chimpanzés nos EUA, único país do mundo em que a prática ocorre.
O novo documento, produzido pelo IOM (Instituto de Medicina), argumenta que a proximidade evolutiva de chimpanzés e seres humanos tem implicações éticas. O levantamento foi feito a pedido do próprio NIH.
"Nós fomos encarregados de avaliar se as pesquisas com chimpanzés são necessárias, e não apenas se são úteis ou importantes", disse Jeffrey Kahn, líder do comitê do IOM. "Todos estavam cientes de que esses estudos têm um custo moral."
O comitê pede que procedimentos invasivos (como infectar um chimpanzé com um vírus) só sejam permitidos se cumprirem três critérios.
O estudo da doença em questão não pode contar com técnicas alternativas, como teste em ratos; a pesquisa deve ser impossível de conduzir de maneira ética em humanos; e o uso de chimpanzés deve ser crucial para o avanço no tratamento de doenças graves.
A maior parte dos estudos que usa chimpanzés tem como meta a criação de vacinas contra a hepatite C, doença que, além do homem, só infecta esses primatas. Pesquisas para prevenir essa infecção são as únicas com boa chance de se qualificar para usar os macacos.
Mas foi por pouco. Nesse ponto, os cientistas não obtiveram consenso e empataram em 5 a 5 numa votação -metade queria banir também esse tipo de investigação. "Debatemos muito se isso não retardaria o sucesso das pesquisas", diz Warner Greene, outro membro do comitê.
Para muitas doenças, como Aids e malária, os chimpanzés acabaram se mostrando cobaias inadequadas.
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1021838-governo-dos-eua-aceita-restringir-pesquisas-com-chimpanzes.shtml
Hubble registra força violenta de estrela em formação
As áreas em vermelho são formadas por poeira fria e fina; já a azul é a expansão dos gases de hidrogênio
.
O telescópio espacial Hubble capturou o momento em que uma gigantesca nuvem de gás de hidrogênio é iluminada em decorrência de uma estrela que se encontra em sua fase final de formação. A ESA (Agência Espacial Europeia) divulgou a imagem nesta quinta-feira (15).
A estrela em questão é a S106 IR, que ejeta material a uma velocidade tão alta, a ponto de interferir nos gases e na poeira que a rodeiam.
.
A S106 IR também é capaz de "esquentar" esses gases, fazendo-os com que cheguem a uma temperatura de 10 mil graus Celsius. A radiação da estrela ioniza o hidrogênio que, por sua vez, se expande. A luz dessa expansão é vista na cor azul na foto e a camada de poeira fina e fria aparece em vermelho.
A próxima fase da S106 IR será a de estabilidade, mais calmo, considerado como sendo o da fase "adulta". Mas até lá vai demandar um bom tempo cósmico.
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1021747-hubble-registra-forca-violenta-de-estrela-em-formacao.shtml
.
O telescópio espacial Hubble capturou o momento em que uma gigantesca nuvem de gás de hidrogênio é iluminada em decorrência de uma estrela que se encontra em sua fase final de formação. A ESA (Agência Espacial Europeia) divulgou a imagem nesta quinta-feira (15).
A estrela em questão é a S106 IR, que ejeta material a uma velocidade tão alta, a ponto de interferir nos gases e na poeira que a rodeiam.
.
A S106 IR também é capaz de "esquentar" esses gases, fazendo-os com que cheguem a uma temperatura de 10 mil graus Celsius. A radiação da estrela ioniza o hidrogênio que, por sua vez, se expande. A luz dessa expansão é vista na cor azul na foto e a camada de poeira fina e fria aparece em vermelho.
A próxima fase da S106 IR será a de estabilidade, mais calmo, considerado como sendo o da fase "adulta". Mas até lá vai demandar um bom tempo cósmico.
.
http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/1021747-hubble-registra-forca-violenta-de-estrela-em-formacao.shtml
Morre Christopher Hitchens, autor de 'Deus não é grande'
.
Redação Central, 16 dez (EFE).- O escritor e jornalista britânico Christopher Hitchens, autor do célebre livro 'Deus não é grande', morreu em Houston (EUA) vítima de um câncer no esôfago, informa em sua edição digital a revista 'Vanity Fair'.
Nascido em 1949 em Portsmouth (Reino Unido), Hitchens morreu na noite de quinta-feira no hospital MD Anderson Cancer Center, em Houston, da mesma doença que levou seu pai.
A detecção da doença aconteceu quando o escritor promovia sua última obra, as memórias intituladas 'Hitch-22'.
Considerado um dos intelectuais mais polêmicos e influentes do cenário internacional nos últimos 30 anos, Hitchens se mudou para os Estados Unidos em 1981 e colaborou com as publicações mais prestigiadas nos dois lados do Atlântico: 'Vanity Fair', 'Slate', 'The Nation', 'The New York Review of Books', 'The Times' e 'National Geographic', entre outras.
Além de 'Deus não é grande', Hitchens também escreveu 'Cartas a um jovem contestador', 'A vitória de Orwell', 'O julgamento de Kissinger' e 'Amor, pobreza e guerra'. EFE
.
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/morre-christopher-hitchens-autor-de-deus-nao-e-grande
Redação Central, 16 dez (EFE).- O escritor e jornalista britânico Christopher Hitchens, autor do célebre livro 'Deus não é grande', morreu em Houston (EUA) vítima de um câncer no esôfago, informa em sua edição digital a revista 'Vanity Fair'.
Nascido em 1949 em Portsmouth (Reino Unido), Hitchens morreu na noite de quinta-feira no hospital MD Anderson Cancer Center, em Houston, da mesma doença que levou seu pai.
A detecção da doença aconteceu quando o escritor promovia sua última obra, as memórias intituladas 'Hitch-22'.
Considerado um dos intelectuais mais polêmicos e influentes do cenário internacional nos últimos 30 anos, Hitchens se mudou para os Estados Unidos em 1981 e colaborou com as publicações mais prestigiadas nos dois lados do Atlântico: 'Vanity Fair', 'Slate', 'The Nation', 'The New York Review of Books', 'The Times' e 'National Geographic', entre outras.
Além de 'Deus não é grande', Hitchens também escreveu 'Cartas a um jovem contestador', 'A vitória de Orwell', 'O julgamento de Kissinger' e 'Amor, pobreza e guerra'. EFE
.
http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/morre-christopher-hitchens-autor-de-deus-nao-e-grande
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Livro sobre FHC resgata história da República brasileira em fotografias
.
Hubert Alquéres
(A fotobiografia "Fernando Henrique Cardoso - 80 anos" - Ed. Jatobá -, organizada por Hubert Alquéres, será lançada nesta quarta-feira (14), às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Esta apresentação do organizador é publicada especialmente por Terra Magazine).
Você pode encontrar FHC em qualquer lugar do planeta. Num aeroporto, restaurante, museu ou numa universidade. Ele estará desacompanhado de qualquer tipo de aparato ou assessores.
Vivi essa experiência no início de setembro deste ano. Viajei para a França e, ao desembarcar no aeroporto Charles de Gaulle, aguardando as bagagens, lá estava ele. Sentado, tranquilo, com os pensamentos aparentemente distantes e com o peso das lembranças e a sabedoria dos oitenta anos de idade, mas também com aquela energia de quem é apaixonado pela vida, pelas pessoas e pela infinita capacidade do ser humano de se renovar e surpreender. Não resisti, saquei o celular e tirei a foto que acompanha este texto. Foi uma indiscrição que revela um homem por inteiro. Segundos depois, FHC mostrou que estava muito atento, percebeu as malas chegando, deu um salto e, com a vitalidade de um jovem, se arremessou para pegar as suas. Em instantes, como qualquer cidadão do mundo, deixava rapidamente o aeroporto, um espaço de passagem, desprovido de identidade. Mas FHC estava ali, pleno, o que nos é mostrado a cada página deste livro.
FHC viveu acompanhado de muita gente. O registro da infância resgata o ambiente familiar unido, alegre, mas cercado de uma certa solenidade. Solenidade típica de uma época, sobretudo em dia de tirar fotografia.
O livro também percorre os anos de juventude, período de esforço pela formação cultural em momentos de saudável companheirismo, que incluem a parceria com uma jovem bela e discreta - Ruth Cardoso.
O amor pela política, por valores e princípios fica claro nos capítulos que recuperam o Cebrap, o exílio, a volta ao Brasil, a passagem da anistia, as campanhas das Diretas Já e de "Tancredo presidente". Depois, ministro e presidente, quando foi protagonista de transformações fundamentais para o povo brasileiro, cujos resultados são sentidos por todos nós, todos os dias.
Dessa forma, este livro também pode ser visto como um amplo painel da história política brasileira e da luta pela democracia nas últimas décadas. Gosto da foto em que ele está com Lula distribuindo panfletos numa porta de fábrica no ABC paulista. Também daquela em que segura de maneira afetuosa a mão de Fernando Gabeira, dividido entre uma plateia que o ouvia falar e a emoção de transferir uma energia boa para o companheiro de ideais. Acenando, num caminhão, ao lado de Mario Covas e José Serra numa carreata. Caminhando pelas ruas da cidade ao lado de Ulysses, Tancredo, Brizola, pelas diretas. E as fotos envolvendo multidões de pessoas para ouvir seus discursos, suas mensagens.
Essas fotos remetem a um dos períodos mais emblemáticos da história da República brasileira. Foram anos de longa e paciente resistência a uma ditadura que não conseguiu minar a capacidade de acreditar na vocação do ser humano para a convivência. As pessoas eternizadas nessas imagens foram capazes de afirmar crenças, valores, de fazer valer o direito à opinião, à discordância, ao debate, à convergência, à divergência. Juntar forças, retomar as praças e os palanques, sonhar junto: FHC e sua lucidez estiveram no epicentro desse processo de retomada da nação pelo poder civil. Sua vasta gama de alianças testemunha sua disponibilidade para o diálogo permanente com todas as linhas de pensamento.
Quase sempre cercado de gente, as fotos também mostram alguém introspectivo - quando somos então mais humanos, formulando perguntas, isolado com pensamentos em grandes responsabilidades. Ou contido na sua emoção, que a vida "tem dessas exigências brutas".
Win Wenders, um dos mais importantes nomes do cinema mundial, disse certa vez que "fotografamos para existir". A fotografia transcende, imortaliza situações, pessoas.
As fotos do livro, sacadas por diversos fotógrafos e garimpadas em bancos de imagens dos principais jornais e revistas do Brasil, preservam momentos fundamentais da história política recente do nosso país. E também a ação de homens que acreditaram no Brasil e na possibilidade de construir uma nação justa, democrática e plural.
A fotografia traz em si uma estranheza que amplia nossos horizontes e percepções. É o caso da foto que mostra FHC mergulhando em Fernando de Noronha. Inusitada, faz lembrar a letra da canção de Gilberto Gil que diz "o melhor lugar do mundo é aqui e agora". Um refrão que resume bem sua capacidade de estar sempre por inteiro "onde e quando" está.
No fechamento deste livro, quando perguntei a Fernando Henrique Cardoso sobre a foto, respondeu com simplicidade e ar maroto: "Por incrível que pareça, sou eu mesmo a dez metros de profundidade, para horror dos médicos e da segurança".
Este é FHC, em qualquer lugar do mundo, aqui e agora.
Veja também:
» Fernando Gabeira: FHC abriu janelas fechadas por marxismo reducionista
.
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5517092-EI6578,00-Livro+sobre+FHC+resgata+historia+da+Republica+brasileira+atraves+de+fotografias.html
Hubert Alquéres
(A fotobiografia "Fernando Henrique Cardoso - 80 anos" - Ed. Jatobá -, organizada por Hubert Alquéres, será lançada nesta quarta-feira (14), às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. Esta apresentação do organizador é publicada especialmente por Terra Magazine).
Você pode encontrar FHC em qualquer lugar do planeta. Num aeroporto, restaurante, museu ou numa universidade. Ele estará desacompanhado de qualquer tipo de aparato ou assessores.
Vivi essa experiência no início de setembro deste ano. Viajei para a França e, ao desembarcar no aeroporto Charles de Gaulle, aguardando as bagagens, lá estava ele. Sentado, tranquilo, com os pensamentos aparentemente distantes e com o peso das lembranças e a sabedoria dos oitenta anos de idade, mas também com aquela energia de quem é apaixonado pela vida, pelas pessoas e pela infinita capacidade do ser humano de se renovar e surpreender. Não resisti, saquei o celular e tirei a foto que acompanha este texto. Foi uma indiscrição que revela um homem por inteiro. Segundos depois, FHC mostrou que estava muito atento, percebeu as malas chegando, deu um salto e, com a vitalidade de um jovem, se arremessou para pegar as suas. Em instantes, como qualquer cidadão do mundo, deixava rapidamente o aeroporto, um espaço de passagem, desprovido de identidade. Mas FHC estava ali, pleno, o que nos é mostrado a cada página deste livro.
FHC viveu acompanhado de muita gente. O registro da infância resgata o ambiente familiar unido, alegre, mas cercado de uma certa solenidade. Solenidade típica de uma época, sobretudo em dia de tirar fotografia.
O livro também percorre os anos de juventude, período de esforço pela formação cultural em momentos de saudável companheirismo, que incluem a parceria com uma jovem bela e discreta - Ruth Cardoso.
O amor pela política, por valores e princípios fica claro nos capítulos que recuperam o Cebrap, o exílio, a volta ao Brasil, a passagem da anistia, as campanhas das Diretas Já e de "Tancredo presidente". Depois, ministro e presidente, quando foi protagonista de transformações fundamentais para o povo brasileiro, cujos resultados são sentidos por todos nós, todos os dias.
Dessa forma, este livro também pode ser visto como um amplo painel da história política brasileira e da luta pela democracia nas últimas décadas. Gosto da foto em que ele está com Lula distribuindo panfletos numa porta de fábrica no ABC paulista. Também daquela em que segura de maneira afetuosa a mão de Fernando Gabeira, dividido entre uma plateia que o ouvia falar e a emoção de transferir uma energia boa para o companheiro de ideais. Acenando, num caminhão, ao lado de Mario Covas e José Serra numa carreata. Caminhando pelas ruas da cidade ao lado de Ulysses, Tancredo, Brizola, pelas diretas. E as fotos envolvendo multidões de pessoas para ouvir seus discursos, suas mensagens.
Essas fotos remetem a um dos períodos mais emblemáticos da história da República brasileira. Foram anos de longa e paciente resistência a uma ditadura que não conseguiu minar a capacidade de acreditar na vocação do ser humano para a convivência. As pessoas eternizadas nessas imagens foram capazes de afirmar crenças, valores, de fazer valer o direito à opinião, à discordância, ao debate, à convergência, à divergência. Juntar forças, retomar as praças e os palanques, sonhar junto: FHC e sua lucidez estiveram no epicentro desse processo de retomada da nação pelo poder civil. Sua vasta gama de alianças testemunha sua disponibilidade para o diálogo permanente com todas as linhas de pensamento.
Quase sempre cercado de gente, as fotos também mostram alguém introspectivo - quando somos então mais humanos, formulando perguntas, isolado com pensamentos em grandes responsabilidades. Ou contido na sua emoção, que a vida "tem dessas exigências brutas".
Win Wenders, um dos mais importantes nomes do cinema mundial, disse certa vez que "fotografamos para existir". A fotografia transcende, imortaliza situações, pessoas.
As fotos do livro, sacadas por diversos fotógrafos e garimpadas em bancos de imagens dos principais jornais e revistas do Brasil, preservam momentos fundamentais da história política recente do nosso país. E também a ação de homens que acreditaram no Brasil e na possibilidade de construir uma nação justa, democrática e plural.
A fotografia traz em si uma estranheza que amplia nossos horizontes e percepções. É o caso da foto que mostra FHC mergulhando em Fernando de Noronha. Inusitada, faz lembrar a letra da canção de Gilberto Gil que diz "o melhor lugar do mundo é aqui e agora". Um refrão que resume bem sua capacidade de estar sempre por inteiro "onde e quando" está.
No fechamento deste livro, quando perguntei a Fernando Henrique Cardoso sobre a foto, respondeu com simplicidade e ar maroto: "Por incrível que pareça, sou eu mesmo a dez metros de profundidade, para horror dos médicos e da segurança".
Este é FHC, em qualquer lugar do mundo, aqui e agora.
Veja também:
» Fernando Gabeira: FHC abriu janelas fechadas por marxismo reducionista
.
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5517092-EI6578,00-Livro+sobre+FHC+resgata+historia+da+Republica+brasileira+atraves+de+fotografias.html
Assinar:
Postagens (Atom)