quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Sobre aborto e política
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Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)
A empregada de nossa casa votou em Marina Silva. É o que suponho, pois ela sempre se atrapalhou com o nome da candidata. Estranhei a escolha. Antes, ela havia jurado que não votaria em Marina, pois um evangélico de verdade não se ocupa com política, apenas com as coisas de Deus.
Em Pernambuco, o deputado estadual mais votado foi Cleiton Collins, radialista e pastor da Igreja Assembléia de Deus. Em segundo lugar, o presbítero Adalto, da mesma igreja. Nossa empregada evangélica falou que eles não são pastores de verdade e que não se ocupam das coisas de Deus. Adalto lembra o ator Tony Curtis, que acaba de morrer. Não sei se ele cuida das coisas de Deus, mas da aparência ele não descuida.
Marina Silva é do Partido Verde, recebeu quase vinte por cento dos votos para presidente e poderá ser o fiel da balança na disputa do segundo turno. Se ela tiver um mínimo de coerência não apoiará nenhum dos dois candidatos, pois atacou frontalmente as políticas de ambos e a falta de programa de governo. Mas não existe coerência em política, a não ser nos livros do filósofo Platão. Talvez nem mesmo neles.
Um membro do Partido Verde se preocupa com a causa indigenista e a preservação da cultura desses povos. Entre os índios, é comum a prática de aborto, faz parte da cultura. Marina Silva é evangélica e, portanto, contra o aborto. Como ela trataria essa questão como presidente e membro do Partido Verde? Ela aceitaria que as índias continuassem a fazer aborto, pois é próprio da cultura indígena e proibiria o aborto ao restante das mulheres brasileiras?
Dilma Rousseff manifestou-se a favor do aborto, mas essa posição terá de ser revista, pois leva à perda de votos junto às igrejas católicas e evangélicas. Os pastores, que só deveriam cuidar das coisas de Deus segundo nossa empregada, se elegem com os votos dos fiéis e fazem campanha contra o aborto. Os padres católicos não casam, supostamente não têm vida sexual, desconhecem as angústias de uma gravidez indesejada - também supostamente -, mas são contra o aborto.
José Serra já foi ministro da saude e conhece as estatísticas de mais de um milhão de abortos clandestinos praticados no Brasil todos os anos. Também sabe do elevado número de mortes, sobretudo em mulheres jovens, secundárias a esses abortos clandestinos. Mesmo assim, o candidato José Serra assume a postura conservadora de ser contra o aborto.
Nossa empregada também acha que os candidatos à presidência do Brasil não deveriam se ocupar das questões de Deus. O aborto é uma questão de saude pública, mais grave nos estados do norte e nordeste, onde é menor a educação e existe menos acesso aos meios para o controle da natalidade. Os abortos clandestinos continuarão sendo feitos, com todos os riscos de morte inerentes a essa prática, mesmo que padres e pastores vociferem e ameacem com o fogo eterno da Geena.
Não é necessário que a essas vozes, supostamente de Deus, some-se a dos políticos de olho nos milhões de votos de católicos e evangélicos. A discussão do aborto precisa sair do plano sobrenatural para o real, do religioso para o da ética. Sem mentira, sem falsidade, sem hipocrisia. Deixem as mulheres falarem, elas que são as maiores vítimas desse jogo entre poder religioso e laico
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