Pôster do filme “Criação” (Creation) - baseado no livro “Annie’s Box”, escrito por Randal Reynes, tataraneto de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução.

sábado, 18 de setembro de 2010

O islamismo é semelhante a uma droga, diz cientista político

Em uma entrevista a “Der Spiegel”, o cientista político egípcio-alemão Hamed Abdel-Samad fala sobre a sua infância como filho de um imame no Egito, diz por que acredita que o islamismo represente um perigo para a sociedade e comenta as suas teorias sobre o declínio inevitável do mundo muçulmano.

Spiegel: Senhor Abdel-Samad, a Alemanha é atualmente um país dividido devido ao polêmico escritor Thilo Sarrazin, cujo novo livro “Deutschland schafft sich ab” (algo como, “A Alemanha está destruindo a si própria”) gerou um debate acalorado sobre a imigração e a disposição dos muçulmanos de integrarem-se à sociedade alemã. Você faz parte da facção favorável ou contrária a Sarrazin?

Abdel-Samad: Não faço parte de nenhuma das duas facções.

Spiegel: Você foi capaz de encontrar o feliz ponto intermediário no debate sobre a integração dos imigrantes? Ou está apenas tentando evitar ofender os seus amigos alemães e os seus colegas muçulmanos?

Abdel-Samad: Eu não gosto nem um pouco da natureza desse debate. Alguns estão criticando Sarrazin enquanto outros o aplaudem sem maiores reflexões. Sarrazin transformou-se em um para-raios para tudo. Não importa se o vemos como herói ou como bode expiatório, o fato é que Sarrazin transformou-se involuntariamente no amigo dos desocupados e dos ignorantes. Todos os defeitos e acusações podem agora ser dirigidos a uma só pessoa: o super-homem Sarrazin.

Spiegel: Você está dizendo que estão dando uma importância exagerada a Sarrazin e as teorias dele?

Abdel-Samad: Eu sou contra a expulsão de Sarrazin do SPD (Sozialdemokratische Partei Deutschland, o Partido Social-Democrata da Alemanha, de centro esquerda, que deu início ao processo de expulsão de Sarrazin), e acredito que nós precisamos desesperadamente de um debate transparente sobre a questão da integração na Alemanha. Mas as conclusões dele não nos trazem nenhum benefício, porque elas são ultrapassadas. A Alemanha não está acabando com si própria, mas sim mudando por meio da imigração, e isto é uma coisa boa. Nós devemos conversar sobre os problemas decorrentes de vivermos lado a lado, sobre as falhas dos imigrantes e sobre o que precisa ser feito para eles.

Spiegel: E Sarrazin, o provocador, está impedindo que isso aconteça com as suas teorias sobre biologia e raça?

Abdel-Samad: Ele certamente não está promovendo tal diálogo. O que ele faz não nos ajuda a resolver o impasse da integração. Devido à forma como as pessoas encontram-se entrincheiradas neste momento, ficou impossível enxergar o que está acontecendo. Um político da CDU (Christlich-Demokratische Union, União Democrata-Cristã, partido conservador de centro-direita) não para de repetir que os estrangeiros deveriam aprender a falar alemão de forma apropriada. E um outro político, do SPD, após ter condenado as declarações de Sarrazin, está apresentando exemplos de integração bem sucedida. Um idealista turco cantará o hino multicultural do Partido Verde (Die Grünen). Enquanto isso, uma crítica furiosa do islamismo procura culpar os turcos pelos problemas da Alemanha.

Spiegel: Você está se referindo à socióloga turco-alemã Necla Kelek, que apresentou entusiasmadamente o livro de Sarrazin no lançamento oficial.

Abdel-Samad: Thilo Sarrazin é simplesmente a prova de que nós temos um problema. Ele é o mensageiro, e a sua mensagem é que uma cultura tensa com as polêmicas prevalece no país. O que temos é uma campanha de medo, apologética e hipersensibilidade.

Spiegel: Será que nós deveríamos fingir que o livro de Sarrazin não existe?

Abdel-Samad: A minha modesta inteligência árabe me diz que Sarrazin é mais inofensivo do que aquilo no qual a mídia está tentando transformá-lo. Ele não é capaz nem de dividir este país nem de resolver os seus problemas.

Spiegel: Talvez você pudesse nos explicar. Você é um crítico feroz do islamismo, o que dá a entender que deveria estar no mesmo barco que Sarrazin, que demoniza bastante essa religião. Por que você não se considera parte dessa tendência?

Abdel-Samad: Ele acredita que o islamismo esteja ganhando terreno em toda parte. Eu também critico diversos aspectos do islamismo. Mas eu também vejo que essa é uma religião em decadência. O islamismo não precisa ser demonizado, mas ele necessita ser totalmente modernizado.

Spiegel: Você prevê a “queda do mundo islâmico“, para citar o título do seu novo livro. Mas o islamismo é a religião que cresce com mais rapidez, e a Europa, em particular, está preocupada com a possibilidade de vir a ser tomada pelos muçulmanos.

Abdel-Samad: Os números não nos dizem muita coisa. Existem 1,4 bilhão de muçulmanos. E daí? O importante é que em quase todos os países que possuem uma maioria muçulmana, nós presenciamos um declínio da civilização e uma estagnação de todas as formas de vida. O islamismo não conta com respostas convincentes para os desafios do século 21. Ele está em decadência moral e cultural – é uma religião condenada, destituída de autoconsciência e de opções para agir.

Spiegel: Você não estaria cometendo o mesmo erro de vários críticos radicais do islamismo, ao agrupar a religião inteira, em todas as suas diversas formas?

Abdel-Samad: É claro que a nossa religião possui várias direções. As diferenças podem interessar aos teólogos e aos antropólogos, mas elas são totalmente irrelevantes sob o ponto de vista político. O elemento decisivo é a ausência generalizada de direção e o atraso, que muitas vezes conduz a um fundamentalismo agressivo. É isso que dita o tom geral da discussão.

Spiegel: Mas Dubai é muito diferente da Somália, e a relativamente liberal Indonésia é muito diferente da teologia rigorosa do Irã. A Turquia é uma democracia e atualmente apresenta um crescimento econômico maior do que o de qualquer outro país europeu. Todos esses casos seriam exceções à regra?

Abdel-Samad: É claro que existem diferenças. Mas toda vez que os muçulmanos tentam introduzir estudos islâmicos nas escolas europeias ou procuram obter o status de organização sem fins lucrativos para uma instituição muçulmana, eles falam sempre em um islamismo único. Mas toda vez que alguém ataca a fé muçulmana, eles recorrem à tática de sufocar as críticas e, de forma dissimulada, perguntam: a que islamismo vocês estão se referindo?

Spiegel: Talvez você pudesse nos ajudar a entender isso.

Abdel-Samad: De certa forma, o islamismo é como um droga. Como o álcool. Uma pequena quantidade pode ter um efeito curativo e inspirador, mas quando o crente busca a garrafa da fé dogmática em todas as situações, o islamismo torna-se perigoso. É dessa modalidade de islamismo de “alto teor alcoólico” que eu estou estou falando. Ele prejudica o indivíduo e danifica a sociedade. Ele inibe a integração, porque o islamismo divide o mundo em amigos e inimigos, em fiéis e infiéis.

Spiegel: A impressão que se tem é que você não está muito distanciado do ponto de vista de Sarrazin.

Abdel-Samad: A única coisa que Sarrazin e eu temos em comum é que nós dois temos as nossas raízes na imigração. Ele tem medo do mundo muçulmano, e eu temo pelo mundo islâmico. A Alemanha oferece um fórum de discussão a nós dois, e por este motivo exclusivo esse país não pode destruir a si próprio.

Spiegel: Você defende uma forma mais branda de islamismo. Em tal caso, o que restaria do núcleo da religião?

Abdel-Samad: O meu sonho, na verdade, é um islamismo iluminado, sem a lei charia e sem a jihad, sem o apartheid de sexos, sem o proselitismo e a mentalidade de direitos adquiridos. Uma religião que seja aberta a críticas e questionamentos. Até onde sei, eu me converti da fé para o conhecimento há muito tempo.

Spiegel: Você tornou-se ateu.

Abdel-Samad: Não.

Spiegel: Não há problema nenhum em admitir isso. Ser ateu não é motivo para se envergonhar.

Abdel-Samad: Mas isso não é verdade.

Spiegel: Nem um só imame, padre católico ou rabino acreditaria em você. Acreditar em Deus significa aceitar algo que existe para além do campo do conhecimento. Se você não compartilha dessa crença, por que insiste em se definir como muçulmano?

Abdel-Samad: Acreditar em Deus pode significar também ter problemas com ele. Eu não oro regularmente, e também não jejuo durante o Ramadã. Nesse sentido, eu não sou religioso. Mas eu me considero muçulmano. Essa é a minha comunidade cultural. Para mim, o islamismo é também a minha pátria e a minha língua, e o meu árabe não pode ser separado disso. A pessoa pode distanciar-se do islamismo mas permanecer no núcleo desta religião. Eu não quero ceder aos fundamentalistas que pregam a violência. Eles estão em ascensão.

“O ódio pelo Ocidente não desapareceu”

Spiegel: Mas o islamismo não estaria recuando, apesar – ou talvez por causa – dos ataques cometidos pela Al Qaeda? Osama Bin Laden não é mais o herói das ruas árabes.

Abdel-Samad: O ódio pelo ocidente não desapareceu. Na verdade, ele até aumentou em certos locais. E a maior parte da violência é dirigida contra os próprios muçulmanos, conforme acontece no Iraque e na Somália.

Spiegel: O ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, expressou claramente para os muçulmanos de todo o mundo as suas reservas em relação ao islamismo. No Iraque e em Guantánamo, os norte-americanos humilharam prisioneiros muçulmanos e em certas ocasiões até zombaram da religião deles. Um pastor da Flórida chegou a anunciar recentemente que queimaria exemplares do Alcorão.

Abdel-Samad: Tudo o que você está dizendo é verdade.

Spiegel: Até hoje, o mundo muçulmano critica intensamente – de forma justificável, até certo ponto – o fato de Washington, com as suas políticas pró-Israel, fazer um jogo do tipo dois pesos e duas medidas no Oriente Médio.

Abdel-Samad: Mas isso não é justificativa para a violência.

Spiegel: É claro que não. Mas por que você insiste em dizer que existe uma relação causal entre o terrorismo e o islamismo? Por que não atribuir isso às condições de vida miseráveis e à falta de oportunidades pelas quais os ditadores árabes, que frequentemente são aliados próximos do Ocidente, são responsáveis?

Abdel-Samad: Porque os terroristas invocam a religião. E porque a pobreza é a causa do terrorismo.

Spiegel: Isso é estranho. Nós não condenamos o cristianismo porque grupos dissidentes na Irlanda do Norte cometeram assassinatos em nome da religião que professavam. Nós não culpamos o judaísmo quando um terrorista em Hebrom massacra muçulmanos na tumba de Abraão e invoca Yahweh. Mas no caso do islamismo...

Abdel-Samad: ... a história é diferente. Porque nesse caso a própria violência aliou-se à cultura.

Spiegel: Isso é o que você alega.

Abdel-Samad: E porque, o que se vê com mais frequência, é os perpetradores invocarem o Alcorão. É por isso que nós precisamos urgentemente de hereges que, ignorando tabus, questionem tudo sobre essa religião.

Spiegel: Você faz com que pareça que a sua religião não esteja mudando. A revista norte-americana “Time” elogiou a “revolução silenciosa” do islamismo em uma manchete de capa. E os reformadores que você deseja já existem de fato. Um deles é o intelectual iraniano Abdolkarim Soroush, que reconhece que há vários caminhos para a verdadeira fé, e um outro é o recém-falecido teólogo egípcio Nasr Hamid Abu Zayd.

Abdel-Samad: Eu conhecia bem Abu Zayd, e o respeitava. Você sabe que juízes radicais declararam que ele estava divorciado da sua mulher por causa das suas posições liberais, e que ele teve que fugir do Egito e ir para a Holanda. Mas tais tipos de pensadores são exceções. A maioria dos chamados reformadores do islamismo me fazem lembrar de uma banda no Titanic, que continuou tocando enquanto o navio afundava, de forma a dar aos passageiros uma ilusão de normalidade. Os problemas subjacentes não são enfrentados.

Spiegel: E quais são esses problemas?

Abdel-Samad: O questionamento do próprio Alcorão. Embora os debates agora já tenham sido iniciados, eles jamais levaram a uma conclusão. Tanto reformadores quanto conservadores continuam obcecados pelo livro sagrado. Às vezes eu me pergunto quem precisa hoje em dia do Alcorão. Será que nossa fé possui um defeito congênito? Será que ela teve sucesso cedo demais, e seria por esse motivo que as responsabilidades governamentais e militares nos países islâmicos acabaram mesclando-se com a religião? De que maneira o islamismo foi capaz de atingir tais alturas na Idade Média, e por que, após aquele período, quase tudo deu errado no que se refere a essa religião?

Spiegel: O que o Alcorão representa para você?

Abdel-Samad: Eu ainda recorro a ele com frequência. Ele representa a minha educação, a minha infância.

Spiegel: Você poderia nos falar sobre a sua terra natal egípcia?

Abdel-Samad: Eu nasci em uma pequena vila às margens do Rio Nilo, sendo o terceiro dentre cinco filhos. O meu pai era o imame e o guardião supremo da fé na vila, e ele me deu deliberadamente um nome especialmente sagrado: “O Grato Escravo de Deus”. Sob a tutela dele, eu logo aprendi de cor o Alcorão. Aquele foi um período de proteção, e, no entanto, eu via com frequência o meu pai bater na minha mãe, que ajoelhava-se diante dele sem reclamar.

Spiegel: Por que ele fazia tal coisa?

Abdel-Samad: Porque ele foi obrigado a fugir dos israelenses quando era soldado na Guerra dos Seis Dias, e jamais foi capaz de superar aquela experiência. Porque a maioria dos homens da vila batia nas mulheres. Porque a religião muçulmana não proibia expressamente isso. As coisas lá eram dessa forma.

Spiegel: Você foi vítima de abusos quando criança.

Abdel-Samad: Eu devia ter quatro anos de idade na época. Paralisado de medo, eu recitei o Alcorão durante horas à fio durante a noite. Eu fui vítima de abusos novamente aos 11 anos de idade, desta vez por um bando de jovens. Segundo a nossa tradição, contar ao meu pai ou a qualquer outra pessoa o que aconteceu era algo impensável.

Spiegel: Você culpa o islamismo em parte por esses crimes?
Abdel-Samad: Sim, conforme o islamismo é experimentado atualmente. Supressão da sexualidade, viver em locais pequenos e com excesso de habitantes em uma sociedade fechada e escravidão à autoridade foram fatores causais.

Spiegel: Esses são exatamente os mesmos fenômenos pelos quais as instituições católicas tornaram-se conhecidas.

Abdel-Samad: Talvez. O meu pai, de qualquer forma, desejava que eu me tornasse um grande acadêmico islâmico. Mas eu decidi estudar inglês e francês, e durante dias eu me preparei, com grande apreensão, para o confronto. Ele aceitou os meus desejos, mas a mim me pareceu que ele estava tomado pelo desespero. Na universidade, no Cairo, eu flertei ideologicamente com os marxistas e com a Irmandade Muçulmana. Eu gritei slogans antissemitas em manifestações. Porque todo mundo fazia isso.

Spiegel: O que o trouxe à Alemanha?

Abdel-Samad: Eu desejava me libertar de todas as restrições. Eu havia trabalhado durante um certo tempo como guia turístico, e durante aquele período conheci uma mulher alemã que me convidou a vir para a Alemanha. Mas eu não tinha de forma alguma superado os meus temores e a minha falta de direção. Quando estava em diante de uma autoridade de imigração no aeroporto de Frankfurt em 1995, eu imaginei que ele havia hesitado antes de carimbar o meu passaporte. Eu achei que os olhos dele estavam me dizendo: “Aqui está, simplesmente mais um encantador de camelos que deseja tirar vantagem da nossa prosperidade”.

Spiegel: Você integrou-se rapidamente à sociedade alemã?

Abdel-Samad: De jeito nenhum. A Alemanha parecia um território alienígena para mim, como se fosse uma máquina complicada sem nenhum manual de instruções para operá-la. Eu acabei me casando com a minha namorada, uma professora rebelde e esquerdista que era 18 anos mais velha do que eu. Mas não nos casamos por amor. Ela casou-se por motivos referentes a impostos e eu para obter o passaporte alemão.

“Eu me abarrotei dos frutos do Ocidente”

Spiegel: Então o casamento foi um arranjo para benefício mútuo.

Abdel-Samad: Basicamente sim. Exceto pelo fato de que eu não estava preparado para as liberdades do Ocidente. A princípio tudo aquilo foi uma maldição para mim, e me tornou agressivo. Eu comecei a estudar ciência política em Augsburgo. Havia tentações por toda parte: mulheres jovens no diretório estudantil e cerveja nos bares. Eu me sentia culpado todas às vezes que me abarrotava dos frutos do Ocidente, algo que a minha religião proibia. Me senti humilhado e deslocado. Durante um breve período, eu me integrei a um grupo de estudantes muçulmanos, tentando escapar da minha solidão no brilho caloroso daquelas companhias. Outros caíram nas garras do terrorismo daquela forma. Eu não. No entanto eu tive alucinações e suores frios, e senti o medo da morte.

Spiegel: Você procurou ajuda profissional?

Abdel-Samad: Sim, eu me internei em uma clínica psiquiátrica. Eu estava a ponto de me suicidar. Eles me transferiram para um pavilhão fechado e me trataram como paciente com transtorno de personalidade limítrofe. Foi um inferno, mas o inferno estava também dentro de mim. Eu fiz tudo o que podia para convencer os terapeutas de que era capaz de funcionar novamente fora da clínica. Os médicos confiaram em mim. Após receber alta, eu embarquei na minha próxima fuga, desta vez para o Japão, onde aprendi japonês e me envolvi com a espiritualidade do Extremo Oriente. Eu conheci o amor da minha vida em Kyoto, uma mulher que é filha de pai dinamarquês e mãe japonesa – é a mulher com quem atualmente estou casado.

Spiegel: Será que você não designou um papel demasiadamente importante para a religião na sua vida, de forma que ficou com muitas expectativas em relação à religião?

Abdel-Samad: Isso cabe aos outros julgar. Eu abordei o islamismo de forma racional e li Kant e Spinoza. Estudei o Iluminismo. E estudei também a Reforma Protestante, algo que até hoje ainda não se materializou no islamismo.

Spiegel: Você critica os muçulmanos como um grupo por se sentirem ofendidos rapidamente e até sentirem prazer com isso. Você acusou os liberais europeus de esquerda por buscarem uma “política de conciliação” em relação ao islamismo. Por que é que você, como acadêmico, às vezes sente prazer em ser um provocador, de uma maneira similar a Sarrazin? Seria isso a natureza implacável do convertido?

Abdel-Samad: Você tem que expressar as suas opiniões claramente se desejar ser escutado. Há uma abundância de apologistas do islamismo.

Spiegel: Mas a tendência aqui na Alemanha parece seguir na outra direção. Os alarmistas em relação à ameaça islâmica dominam a opinião pública. Os muçulmanos são ridicularizados na Internet e chamados de “comedores de cabras” e “prostitutas dissimuladas”, enquanto a religião deles é ridicularizada com sendo “bárbara”.

Abdel-Samad: Essas atitudes são tão baixas que eu não me dou ao trabalho de dar uma resposta a elas.

Spiegel: O respeitado historiador Wolfgang Benz, que foi diretor do Centro de Pesquisas sobre o Antissemitismo na Universidade Técnica de Berlim durante vários anos, está agora traçando paralelos entre os agitadores antissemitas e os críticos radicais do islamismo. Segundo Benz, ambos os grupos usam métodos similares para criarem o seu estereótipo do inimigo, por exemplo, ao recorrerem deliberadamente a imagens distorcidas e à histeria. Existe alguma verdade nisso que ele diz?

Abdel-Samad: É possível comparar qualquer coisa com qualquer outra coisa. Eu não enxergo nenhuma relação neste caso.

Spiegel: Você está em meio a um processo para tornar-se o modelo de muçulmano para os políticos conservadores da Alemanha.

Abdel-Samad: O que faz com que você afirme isso?

Spiegel: O ministro do Interior alemão Thomas de Maizière, membro da conservadora CDU, nomeou você para a Conferência Islâmica Alemã.

Abdel-Samad: Isso é tudo? Sim, até o momento eu participei de três reuniões, e acho que aquele é um painel interessante, no qual muçulmanos de várias linhas diferentes interagem e debatem de uma forma civilizada. É um ponto positivo para a Alemanha.

Spiegel: Você acusa os outros muçulmanos de continuarem procurando bodes expiatórios.

Abdel-Samad: Sim, em vez de procurarem falhas em si próprios. Talvez o processo pelo qual eu passei seja o processo do qual o islamismo, como um todo, necessita. Ou seja, que todos olhem para si próprios criticamente e parem de culpar constantemente os outros pela sua própria miséria e de se sentirem como vítimas. Eles deveriam também libertar-se das restrições da religião muçulmana. Cultivar amargor e culpar os outros é algo que só conduz à violência, e nós já temos violência demais no mundo.

Spiegel: Senhor Abdel-Samad, obrigado por esta entrevista.

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