Pôster do filme “Criação” (Creation) - baseado no livro “Annie’s Box”, escrito por Randal Reynes, tataraneto de Charles Darwin, o criador da teoria da evolução.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A travessia da masculinidade

“Ninguém mais se define como machista”, diz Luis Bonino, psiquiatra e psicoterapeuta especializado em homens e relações de gênero. “Mas ainda existe muito machismo encoberto”, acrescenta. “Houve mudanças, mas em aspectos superficiais”, afirma. Ele não gosta de recorrer ao conceito de masculinidade. “É um tipo de essência masculina onde se coloca qualquer coisa. Prefiro falar de um modelo masculino que se adapta às condições históricas em que vivem”, desmitifica.

Nas últimas décadas, a Espanha passou de um machismo em estado bruto a uma igualdade legal na qual sobrevivem práticas do velho modelo. É o que Bonino denomina de micromachismos. “A imagem masculina mudou, sobretudo no aspecto físico. E além disso, os pais se envolvem mais no cuidado dos filhos. Mas isso no ócio e no lúdico. A parte séria e dura fica para a mãe”, afirma.

Bonino reflete sobre o comportamento masculino há anos. Ele é crítico porque é homem e sabe do que está falando. Assim como sabe Mariano Nieto, madrilenho de 52 anos, funcionário do Ministério da Indústria e pai de três filhos, que pertence à organização “Stopmachismo, Homens contra a Desigualdade de Gênero”. Não se trata de um movimento propriamente dito. Apenas um pequeno grupo que se reúne uma vez por mês para combater a desigualdade a partir de seu próprio terreno. “Todos somos machistas. Temos muitos privilégios por sermos homens e achamos que, já que somos parte do problema, também somos parte da solução”, afirma.
“Ser a favor da igualdade não basta”, opina Nieto. “Às vezes a ideia de igualdade é distorcida ou utilizada em benefício próprio. Por exemplo, ao defender a custódia compartilhada dos filhos depois do divórcio, por decisão do juiz, sem mútuo acordo, argumenta-se a favor da igualdade, mas há homens que não cuidavam de seus filhos quando estavam casados e só se lembram deles ao se separarem”, denuncia.

Em algum momento de sua vida, os homens do Stopmachismo se encontraram com uma companheira, com amigas ou colegas de trabalho que os fizeram ver as desigualdades e injustiças que as mulheres ainda sofrem. “A violência de gênero é só a ponta do iceberg da desigualdade. Se os homens não se sentissem com poder para fazê-lo, não chegariam ao maltrato”, assinala. Bonino admite que os espanhóis têm uma consciência cada vez maior da igualdade, mas a maioria ainda vê a mulher como alguém que nutre ao homem. “Ela me enriquece”, dizem. “Não há reciprocidade”, explica.

“O que mudou é o social, não a biologia, e isso revelou o ridículo de muitos mitos”, afirma María Ángeles Durán, catedrática e pesquisadora do CSIC. “As mulheres percebem estas transformações como uma mudança para melhor, enquanto alguns homens se ressentem porque perderam terreno e exclusividade. Mas ganharam em liberdade e em reconhecer que a vida pessoal é importante”, prossegue. Mudanças que ainda não terminaram.
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